domingo, 26 de junho de 2011

So traurig...



"Tanto que fazer!
Livros que não se lêem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.


Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinando papéis, papéis, papéis…
até o fim do mundo assinando papéis.


E os pássaros detrás de grades de chuvas,
e os mortos em redôma de cânfora.


( E uma canção tão bela! )

Tanto que fazer!
E fizemos apenas isto.
E nunca soubemos quem éramos
nem para quê."


Cecília Meireles, Antologia Poética, Lisboa: Relógio d'Água, 2002, p. 300

quarta-feira, 22 de junho de 2011

In Vergessenheit geraten 1


Quando alguém morre,
cresce sobre nós o tempo
e são densas as horas de palavras por dizer.
Quando alguém morre,
são cinza os dias e brancas as noites.
Quando alguém morre,
sobra a vontade e o céu azul.
Quando alguém morre,
a música é alta, o livro enfada.
Quando alguém morre...

domingo, 19 de junho de 2011

Gott ist beschäftigt... 1



"Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é."


Obra Poética de Fernando Pessoa, Poemas de Alberto Caeiro, Lisboa: Publicações Europa-América, 1986, p. 107 

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Ein Blick...


 
"Pela minha janela, olhando o poente.
Risonha paisagem tanta vez diviso:
Verduras, casais, tecto rubro ardente,
Que à luz da manhã contam comoum ciso.

Mas a chuva cai forte e nevoenta,
Cortina cerrada, alastra, irradia,
Invade o horizonte, envolvendo, lenta,
A linda paisagem que há pouco sorria.

Quanta vez também dentro do meu peito
Um véu de tristeza pesado e sombrio,
Se espalha e do tédio o pranto desfeito
Apaga a paisagem da minha alegria..."

Rodrigo Solano, Fumo, ed. act., Penafiel: Câmara Municipal de Penafiel, 2010, p. 228

sábado, 4 de junho de 2011

Ich vermisse deine Worten, dein Gesicht...



     "Percebi que para dentro de nós há um longo caminho e muita distância. Nós somos nada feitos do mais imediato que se vê à superfície. Somos feitos daquilo que chega à alma, e a alma tem um tamanho muito diferente do corpo.
       Percebi que ver verdadeiramente uma pessoa obriga a um esforço como o de estarmos sentados nos nossos bancos a tomar conta do que passa pelos montes. Percebi que ver verdadeiramente uma pessoa também é como prevenir os fogos (...).
       O rosto é mais turvo do que os céus e pode ser muito mais complexo do que saber exactamente de quem é um rebanho e se cresceu ou deminuiu. O rosto começa onde se vê e vai até onde já não há luz nem som. Por isso, por mais que observemos, ainda muita coisa nos há-de escapar e o importante é que estejamos tão atentos quanto possível, para nos conhecermos uns aos outros. (...)
        Entendi que o rosto é  extenso e infinito, capaz de expressões que vamos conhecendo e outras que nunca vemos. Toda a vida precisamos de estar atentos, senão vamos perder muito do mais importante que acontece em nosso redor. Como se houvesse um incêndio mesmo diante de nós e nem sequer o percebêssemos antes de estar tudo completamente queimado."

valter hugo mãe, O Rosto, Editora Objectiva: Carnaxide, 2010, p. 28

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Und deshalb bin ich nichts!



"As coisas mais bonitas que tenho escrito não têm interessado grandemente os outros. Certamente é porque não as escrevi bem. Mas é também porque as coisas que escrevo já os outros as descobriram antes de mim. Ora, o poeta justamente, não é o sábio: o que vê mais fundo; nem é o que diz melhor: esse é o músico. O poeta é o que descobre. Isto é, o que vê primeiro."


Daniel Faria, O Livro do Joaquim, Quasi Edições: V. Nova de Famalicão, 2007, p. 72