sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Das wirst DU nie sehen!






"há olhos que não vêem o voo, mas a sua queda, entre pedrisco; há olhos que não vêem o corpo no seu auge, mas a longa cicatriz; há olhos que não vêem o texto, mas a palavra, uma só, que cega todas as outras; há olhos que não vêem Deus, mas o seu teatro, os sinais da sua passagem ou da sua ausência; há olhos que constroem os sinais da passagem de um deus para conseguir parar. (...) Há este olhar que aflora as coisas, as faz crescer até ao insuportável, e lhes dá a dignidade do rudimento; que abre os lábios a uma só palavra e entra nos seus meandros para a esquecer; que torna cada coisa um vestígio e se apaga ao ir de uma coisa a outra; e neste percurso expõe a mortalidade; há um olhar que não vê nexos mas acumulação (...).

A mão abre a luz ao gesto, ilumina o silêncio de outra mão (...)"


Rui Nunes, O Choro é um Lugar Incerto, Lisboa: Relógio D'Água, 2005, p. 31

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Ein Wunsch, sonst nichts!




"How far is it?
It is so small
The place I am getting to, why are there these obstacles"


Sylvia Plath, Ariel, Lisboa: Relógio D'Água, 1996, p. 83.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Weil ich dich vermisse...



"Estás todo em ti, mar, e, todavia,
como sem ti estás, que solitário,
que distante, sempre, de ti mesmo!

Aberto em mil feridas, cada instante,
qual minha fronte,
tuas ondas, como os meus pensamentos,
vão e vêm, vão e vêm,
beijando-se, afastando-se,
num eterno conhecer-se,
mar, e desconhecer-se.

És tu e não o sabes,
pulsa-te o coração e não o sente...
Que plenitude de solidão, mar solitário!"


Juan Ramón Jiménez, Solidão in "Diario de Un Poeta Reciencasado", extraído de http://www.citador.pt/

domingo, 25 de dezembro de 2011

sábado, 24 de dezembro de 2011

Weihnachten



"Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.


Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente."

domingo, 18 de dezembro de 2011

Morgen ist es zu spät!



"Depois da morte de Spurius não tenho pensado em nada. Esta manhã, lembrei-me de uma coisa que me disse antes de entrar na agonia e que me comoveu:
- Não há outra vida. Nunca mais nos veremos.
As lágrimas corriam-nos pela cara. Apertámos as mãos."

Pascal Quignard, As Tábuas de Buxo de Apronenia Avitia , Lisboa: Livros Cotovia, 1999, p. 83

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Ein paar Minuten deiner Zeit



"Antes que as nossas vidas se dividam para sempre,
Enquanto o tempo está connosco e as nossas mãos são livres
(O tempo rápido a prender e rápido a separar
A mão da mão quando junto do mar nos encontramos),
Não direi mais do que alguém poderia dizer,
Alguém cujo amor de uma vida declina num dia,
Pois este nunca poderia ter existido; e nunca
Existirá, apesar de os deuses e os anos se compadecerem"


A. C. Swinburne, Poemas, Relógio D' Água, 2005, p. 69

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

sábado, 10 de dezembro de 2011

Gestern...




há um lugar muito distante na minha memória onde nos encontrámos. seguíamos incautos e cruzávamos por entre os passos e regressávamos a casa. um dia os passos foram palavra e voaram. eram passos largos e marcavam os espaços. passos simples, passos soltos. passos que conheciam os dias e as noites. e eu reparava e ficava feliz e tinha brilho o silêncio que faziam. depois cresceram e eram já todo o silêncio. muito tempo os vi no parque, sobre a relva, ou na água que chega do mar. durante a noite acordava e observava-os em silêncio. via cada pegada que deixavam e alegrava-me. havia promessas nos passos errantes e densos. e esperava ansiosa que a palavra voltasse. por fim, recolhi-me nos lençóis onde, já habituada, me trespassa o silêncio dos teus passos. e sempre neste silêncio partilho contigo o dia de ontem.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Ein Wort...



     "É tão despovoado. Tenta-se em vão trabalhar para não ouvi-lo, pensar depressa para disfarçá-lo. Ou inventar um programa, frágil ponto que mal nos liga ao subitamente improvável dia de amanhã. Como ultrapassar essa paz que nos espreita. Silêncio tão grande que o desespero tem pudor. Montanhas tão altas que o desespero tem pudor. Os ouvidos se afiam, a cabeça se inclina, o corpo todo escuta: nenhum pudor. Nenhum galo. Como estar ao alcance dessa profunda meditação do silêncio. Desse silêncio sem lembrança de palavras. Se és morte, como te alcançar.
       É um silêncio que não dorme: é insone: imóvel mas inson; e sem fantasmas. É terrível - sem nenhum fantasma. Inútil querer povoá-lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo, de uma cortina que se abra e diga alguma coisa. Ele é vazio e sem promessa. Se ao menos houvesse o vento. Vento é ira, ira é a vida. Ou neve. Que é muda mas deixa rasto - tudo embranquece, as crianças riem, os passos rangem e marcam. Há uma continuidade que é a vida. Mas este silêncio não deixa provas. Não se pode falar do silêncio como se fala da neve. Não se pode dizer a ninguém como se diria da neve: sentiu o silêncio desta noite? Quem ouviu não diz."

 Clarice Lispector, "Silêncio", in Onde estiveste de noite, Lisboa: Relógio D' Água, s. d. , p. 75

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Wohin?



"Um dia. Um dia como mil anos. Mil anos como um dia. Como o saberiam os antigos? Esses pequeninos pedaços de matéria à solta obrigam-nos a lidar com mais cuidado com os pequeninos pedaços de tempo. Meu Deus, como estou cansada, ouvi-me dizer a mim própria. Tenho de me deitar um bocado. (...) Agora quero dormir."



Christa Wolf, Acidente, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1990, pp. 53-54