terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Ich habe es fast geschafft




"Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...


Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...


Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!


De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...


Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...


Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...


Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...


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Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém..."


 Obra Poética de Mário de Sá-Carneiro, Lisboa: Publicações Europa-América, s.d. , pp. 89-90

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Einfach zu viel!



"Não tenho forças, não tenho energia, não tenho coragem para nada. Sinto-me afundar. Sou o ramo de salgueiro que se inclina e diz sim a todos os ventos."


Florbela Espanca, diário do último ano, Venda Nova: Bertrand Editora, 1998 , p. 55

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Wer wird kommen?



Não não mereço esta hora
eu que todo o dia fui habitada por tantas vozes
que exerci o comércio num mercado de palavras
Não mereço este frio este cheiro tudo isto
tão antigo como os meus olhos
talvez mesmo mais antigo que os meus olhos

Não era afinal isto que esperava
não era este o dia

Ruy Belo, Todos os Poemas, Lisboa: Assírio & Alvim, 2000, pp. 50 e 66 (com alterações).

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Ein Wort, ein eiziges Wort und es wäre alles!




"Uma Palavra caída por descuido numa Página
Pode estimular o olho
Quando dobrado em perpétua costura
O Fabricante Enrugado se deita

A infecção reproduz-se na frase
Podemos inalar Desespero
A uma distância de Séculos
Da Malária -"

Emily Dickinson,Poemas e Cartas, Edições Cotovia, 2000, p. 117

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Ich darf nicht...





"A diferença entre o Desespero
E o Medo - é como
O instante do Naufrágio -
E quando o Naufrágio se deu -

O Espírito está calmo - nem um Movimento -
Parado como os Olhos
Na Cabeça de um Busto -
Que sabe - que não pode ver."

Emily Dickinson,Poemas e Cartas, Edições Cotovia, 2000, p. 41.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Lieber Freund




"Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua."


Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética II, Editorial Caminho, 1995, p. 61.

Und es tut mir wirklich Weh!



"Não fui eu que me habituei à dor,
foi a dor que se tornou habitual."


"Porque aprendi a conhecer-te, vejo que agora me desprezas.
Não o tivesse aprendido, e nem hoje isso me importava."


"O que mais anseio: deixar de amar."


Daniel Faria, O Livro do Joaquim, Quasi Edições: V. Nova de Famalicão, 2007, p. 81

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Und alles wäre so einfach...



"Não tenho nenhum intuito especial ao escrever estas linhas, não viso nenhum objectivo, não tenho em vista nenhum fim. (...)


Até hoje, todas as minhas cartas de amor não são mais que a realização da minha necessidade de fazer frases. Se o Prince Charmant vier, que lhe direi eu de novo, de sincero, de verdadeiramente sentido? Tão pobre somos que as mesmas palavras nos servem para exprimir a mentira e a verdade! (...)


Só se pode ser feliz simplificando, simplificando sempre, arrancando, diminuindo, esmagando, reduzindo; e a inteligência cria em volta de nós um mar imenso de ondas, de espumas, de destroços, no meio do qual somos depois o náufrago que se revolta, que se debate em vão, que não quer desaparecer sem estreitar de encontro ao peito qualquer coisa que anda longe: raio de sol em reflexo de estrelas. (...)


Sinto-me só. Quantas coisas lindas e tristes eu diria agora a Alguém que não existe! (...)


«La tendresse humaine ne peut s'exprimer que par un seul geste: celui d'ouvir et de refermer les bras.» (...)


E não haver gestos novos nem palavras novas!"

Florbela Espanca, diário do último ano, Venda Nova: Bertrand Editora, 1998 (excertos)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Es ist Zeit...


"De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.


De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente."


Vinicius de Moraes, Antologia Poética, Lisboa: Publicações D. Quixote, 2001, pp. 109-110

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Verfehlte Begegnung 2




"Que dizer destas sombras
encostadas na noite às árvores e à névoa?
Que dizer-lhes de nós,
se as vemos como que iniciar
uma conversa todavia nossa?
Que algures no mundo ou junto delas
os amantes se tocam, se procuram?
Que a morte continua, como os homens,
a matar? Que as guerras e os massacres
prosseguem incontáveis? Que crianças
continuam a nascer em gritos de surpresa?
Que as folhas caem, hervas reverdecem,
o vento sopra às vezes, e que o sol
brilha no que, movendo-se, ou quieto,
não possa recusar-se a reflecti-lo?
E que sombras ilusórias, pressupostas,
sonhando entre o arvoredo o que não sabem
ser tão diverso e tão igual, não contam
entre o que existe e não existe? O que
dizer-lhes ou dizer? Só isto, ou nada?"

Jorge de Sena, Poesia III, Lisboa: Edições 70,1989, pp. 134-135

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Verfehlte Begegnung 1



"Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos."