segunda-feira, 30 de julho de 2012

Mitteilung



"Vesti-me de sombra e senti o silêncio pousar-me no coração. Por isso, no mais profundo e nocturno do meu ser, brilha um sorriso astral, fiozinho de luz que ainda me prende à Fonte originária. E sei que ele se introduz em todas as lágrimas que choro."


Teixeira de Pascoaes, O Bailado, Colecção "Obras Completas de Teixeira de Pascoaes", organização de Jacinto do Prado Coelho, volume VIII, Livraria Bertrand: Amadora, 1973, p. 20-21

terça-feira, 17 de julho de 2012

Tiefe und blaue Stille


"não tenho paciência para ouvir os outros, não tenho paciência para viver, não tenho paciência para  morrer, estou aqui, parada, num desequilíbrio interminável, nunca mais acabo de cair, irrito-me se me falam, sofro se me não dizem nada, odeio o gesto caridoso: a mão de alguém nos meus cabelos, o que eu quero é uma voz que me queira, um momento de descanso nessa voz."

Rui Nunes, Grito, Lisboa: Relógio D'Água,1997, pp. 35-6

domingo, 15 de julho de 2012

Diese schreckliche und einsame Stunde!



"Sim: nós somos a hora ou as horas que nos ferem e nos absorvem o sangue, a carne, a própria alma e vestem a nossa figura sobre o mundo. O mais do tempo some-se como nuvens, na distância."

Teixeira de Pascoaes, O Bailado, Colecção "Obras Completas de Teixeira de Pascoaes", organização de Jacinto do Prado Coelho, volume VIII, Livraria Bertrand: Amadora, 1973, p. 106

sábado, 14 de julho de 2012

Der blaue Himmel


"Tive hoje, olhando o céu pela janela do meu quarto, a sensação de que ele se me entranhava até à infância. Nunca supus que em mim houvesse uma profundidade capaz de absorver uma tão extensa superfície azul, a qual vertiginosamente refluía por mim dentro, iluminando espaços de cuja existência eu nem sequer desconfiava. O certo é que, ao atingir maior profundidade, a cor se lhe alterou sensivelmente, embora a natureza dessa mutação não fosse propriamente de ordem física. Foi como se ao chegar a esse ponto, tendo a bomba da memória começado a trabalhar, a luz que sobre ele este mecanismo vomitava lhe alterasse a própria existência e furiosamente arrancasse ao coração da terra aquele que, a um ritmo idêntico, eu sentia acelerar-se-me entre os ossos."

Luís Miguel Nava, "A Memória", in Poesia Completa, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2002, p. 107

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Kein Glück haben...




"Solang du nach dem Glücke jagst,
Bist du nicht reif zum Glücklichsein,
Und wäre alles Liebste dein.

 
Solang du um Verlornes klagst
Und Ziele hast und rastlos bist,
Weißt du noch nicht, was Friede ist.


Erst wenn du jedem Wunsch entsagst,
Nicht Ziel mehr noch Begehren kennst,
Das Glück nicht mehr mit Namen nennst,

Dann reicht dir des Geschehens Flut
Nicht mehr ans Herz, und deine Seele ruht."

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Ein Glück...



"Oh falemos da tranquilidade que conhecemos,
que podemos saber, a profunda saudade e suave quietude
de um forte coração em paz!

Como podemos criar a nossa paz?"

D. H. Lawrence, "A barca da morte - IV", in Poesia do Mundo, Coimbra: Alma Azul, 2007, p. 60

domingo, 8 de julho de 2012

Heute ist Sonntag!




"Deus é triste.

Domingo descobri que Deus é triste
pela semana afora e além do tempo.

A solidão de Deus é incomparável.
Deus não está diante de Deus.
Está sempre em si mesmo e cobre tudo
tristinfinitamente.

A tristeza de Deus é como Deus: eterna.

Deus criou triste.
Outra fonte não tem a tristeza do homem."


Carlos Drummond de Andrade, in 'As Impurezas do Branco' (http://www.citador.pt/poemas/deus-triste-carlos-drummond-de-andrade)

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Und jetzt ist alles gesagt, mein Freund, und du wirst es nicht verstehen!







Veludo de silêncio. O ponteiro é o eco antes da palavra. Aparece no bolso um lápis rombo que dir-se-ia ter roído as unhas. O lápis só escreve as sombras das palavras. Como se aproveitam dos borrões os compositores de música! Os borrões que atiramos ao acaso para despejar a caneta caem nas pétalas amarelas e brancas dos pensamentos. Franzimos o sobrolho porque queremos agarrar com pinças um grande pensamento que nos escapa. Às vezes pensamos que, tal como as estrelas nos enviam luz de há milhares de anos, nós próprios vivemos há muito este dia que hoje estamos a viver de novo. O dia límpido, nítido e diáfano cheira a relógio. O pêndulo do relógio embala as horas. Às doze horas, os ponteiros do relógio apresentam as armas. Há coxos com perna de pau que florescem na primavera e se tornam sátiros. Os coxos que usam um sapato com cunha parece que andam sobre o féretro de um pé.



O escritor quer escrever a sua mentira e escreve a sua verdade!



Ramón Gómez de la Serna, "Greguería", Assírio & Alvim: Lisboa, 1998 (texto composto)

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Gestern... Heute...



"Mas sobretudo que má figura faria, vir até cá dentro, até cá baixo, para descobrir que não valia a pena, que por detrás da porta não há nada de novo. (...) De repente senti-me cansada, esgotada (...) Não, impossível, não aguentaria, não aguentava. Senti-me de repente muito cansada.Mas talvez tivesse cerrado os dentes e engolido o meu cansaço e tivesse continuado. As mulheres sabem fazê-lo, quase sempre, mesmo quando já não sabem por quê ou por quem. Também a ideia de (...) ter de me calar, de mudar de conversa quando ele perguntasse, quando quisesse saber (...)

Sim, é verdade, estava cansada, agora já me tinha afeiçoado à Casa  e aos seus ritmos. Mas gostaria tanto de sair por um bocado - só um bocadinho, sabíamo-lo ambos - àquela luz de Verão - pelo menos por um Verão (...).

Mas só o destruiria, saindo com ele e respondendo às suas inevitáveis perguntas. Eu, destruí-lo? Antes deixar-me morder por uma serpente cm vezes mais venenosa do que ... antes isso."


Claudio Magris, "E então vai entender", Quetzal: Lisboa, 2009, pp. 66-70 (com supressões)