quarta-feira, 27 de junho de 2012

Genau so!




"Aqui diante de mim
e deste papel polícia, que exige a sua presença
pra que eu me minta o bastante a fim de ser verdadeiro,
choro de raiva e de raiva:
de raiva por ter projectos
raiva por estremecer
raiva por ter razões só depois de acreditar
raiva de estar doente (...)
e de o mundo que é de todos ter mais que fazer do que ouvir-me (...)"


Vergílio Ferreira, Diário Inédito, Edição de Fernanda Irene Fonseca, Lisboa: Bertrand Editora, 2008 , p. 143

Gedächtnis



"Começa-se o silêncio a desenhar
nos interstícios da carne, a que se prendem
imgens que no fogo
lento da memória se apuraram
de dia para dia e que o passado
nos serve como uma iguaria."

Luís Miguel Nava, "No Fogo da Memória", in Poesia Completa, org. Gastão Cruz, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2002, p. 202

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Ein kleiner Lichtstrahl


"Perfura-me o sono
essa luz estelar, basculante,
puríssimo cristal de lágrimas.
Minha comprida noite desabitada
se enche com a mansa luz dorida
desses olhos irmãos do meu silêncio.
Um pouco de ternura incomensurável
pousa os brandos dedos sobre o meu ombro,
minhas pálpebras, meu sono inquieto
e adoça a nudez fria deste espaço
ora visitado pelo teu rosto querido.
Cerro os olhos de cansaço, na boca
um travo salgado, sabor de mar,
resto de amargura antiga. Ou serão lágrimas
tuas, esse sal vivíssimo, que sinto nos lábios,
como se tivesse beijado os olhos teus tristíssimos?"

Rui Knopfli, VISITAÇÃO

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Ich gebe ab...



"Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue;outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho...o de mais nada fazer."

Clarice Lispector


domingo, 17 de junho de 2012

Es regnet wieder...


"Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego...

Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...

Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente..."

Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942, p. 188.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Freunde...



"Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga."


Eugénio de Andrade, Coração do dia, Mar de Setembro, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2000, p. 31


(Um agradecimento aos amigos que, especialmente nestes quatro anos, me acompanharam. Alguns cansaram-se das minhas dúvidas e das minhas ânsias e afastaram-se. Apesar dessa distância voluntária que me entristece, não esqueço o apoio que outrora me deram! Aos que continuam hoje a ter uns minutos para me escutar, dedico o trabalho que hoje termino!)

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Zum Abschied




" – Há coisas que é difícil dizerem-se – continuou. – É preciso que tudo esteja de acordo. Com esta luz e esta alegria de Verão e este bem-estar de uma esplanada, eu não podia dizer-te, por exemplo, que me vou matar.
– Que estupidez. Mas não tentes desconversar.
– Seria estúpido – disse o rapaz. – Não vou de facto matar-me. Mas não tinha outra maneira de to dizer, se fosse. E seria estúpido, porque tudo estava em desacordo. Não era coisa que se dissesse a uma hora de praia e de sol.
A rapariga ficou a olhá-lo algum tempo intensamente, a tentar ouvir-lhe o que já não dizia.
– Nunca está certa, aliás, seja a que hora for – continuou o rapaz. – Tudo pode estar certo talvez a qualquer hora. Menos essa banalidade ridícula da morte. De tudo se pode falar, menos dela. Nem falar, nem filosofar, nem fazer seja o que for que a tenha a ela em conta. Há uma aliança contra ela como contra uma infâmia. Ou como se o não falar a excluísse. E é a única verdade perfeita.
– Mas é uma conversa idiota – disse a rapariga fitando o companheiro de lado, a entender.
– Tudo é erro e ludíbrio: o triunfo, o poder, as ideias, mesmo as matemáticas. Tu pensa no que quiseres e verás que tudo erra. Há só uma coisa que não. E é do que se não pode falar."

Vergílio Ferreira, Uma esplanada sobre o mar in "Contos", Lisboa: Bertrand Editora, 1995 , pp. 247-8

terça-feira, 5 de junho de 2012

Ich würde gerne mit dir reden...



 
"Gotas de som molhado
Caem, lá fora,
Num ruído triste...
É o silêncio gelado
Da noite que chora
Sobre tudo o que existe.
E a minha mágoa
Naquelas gotas de água
Parece encarnar.
Vago na sombra escura...
Sou morto sem sepultura
E sou nuvem a chorar..."

Teixeira de Pascoaes, Belo. À minha alma. Sempre. Terra Prometida..Assírio & Alvim: Lisboa, 1973, p. 248

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Und es ist alles...



"Estou doente. (...) Eu senti um esvaziamento da vida com a consciência de não ter morrido."


"Acho que vou entristecer-me com isso. Preciso hoje de estar triste e não é fácil arranjar um motivo assim que não incomode ninguém."


"Mas agora me lembro que eu já te contei isto numa carta."


"Doem-me os olhos. Good-night. Um milhão para as horas vagas."


Vergílio Ferreira, Diário Inédito, Edição de Fernanda Irene Fonseca, Lisboa: Bertrand Editora, 2008 , pp. 76, 141, 45, 44