quinta-feira, 27 de junho de 2013

Ein leerer Platz 2



     "A vida tem várias faces que se abrem como portas.
     Há portas por onde passamos facilmente, têm a nossa altura ou pouco mais; são pintadas de cores claras, têm um batente onde se carrega e donde sai uma música agradável a dizer: entra! És bem-vinda! O que se vê para além delas é legível e fácil. Aconchegado. Harmonioso.
     Há outras que se abrem como as portas dos contos de fadas: em silêncio, sem ninguém lhes tocar, sem rostos nem vozes a darem as boas-vindas e fica-se à espera do milagre ou do dragão, ou do gigante que nos virão assustar.
     Olhamos essas portas, ficamos cheios de curiosidade mas temos medo de entrar. Temos medo de descobrir e de entender o que se passa para lá delas, porque o que se passa para lá delas tira-nos a vontade de rir, as palavras claras, os gestos espontâneos: são portas que nos ensinam a dúvida. Deixamos de ser crianças e isso - ah! isso é que nunca!
     Logo que alguém te vier com esse truque de dizer - cresce e aparece - tu some-te! Não queiras crescer! E desaparece! Para longe dessas portas de dúvida e silêncio com gente que não acredita em sonhos nem na Amizade. Foge dos devoradores de risos, dos que bebem sozinhos a água fresca das fontes, e não sabem compartilhar nem o pão, nem as lágrimas, nem a coragem.
     Mas a vida ainda tem outras portas: portas fechadas. Portas que, por mais que se deseje entrar, permanecem frias, indiferentes ao nosso apelo. Andamos à volta dessas portas, levamos os braços carregados de flores e a boca cheia de sorrisos e palavras mansas; acariciamos os batentes, espreitamos pelo vidro fosco das janelas.
     São portas que não se abrem.
     Fica-se triste e cheio de lágrimas.
     Nada os comove.
     São portas fechadas, surdas, frias.
     Muros. De pedra e cal."
 
 
Maria Rosa Colaço, Maria tonta como eu, Porto: Distri Editora, 1988, pp. 67-8

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Ein leerer Platz 1



"Tenho sono, a dor intensa de um sono que não me adormece. Nele, os vultos quase adquirem rosto, quase são o lugar da confidência. Choro o lugar desocupado."

Rui Nunes, Grito, Lisboa: Relógio D'Água, 1997, p. 70

sábado, 15 de junho de 2013

Die Qual des Wartens



     
    "Angústia pode ser não ter esperança na esperança. Ou conformar-se sem se resignar. Ou não se confessar nem a si próprio. Ou não ser o que realmente se é, e nunca se é. Angústia pode ser o desamparo de estar vivo. Pode ser também não ter coragem de ter angústia - e a fuga é outra angústia. Mas angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai.
    (...) você não acha que há um vazio sinistro em tudo? Há sim. Enquanto se espera que o coração entenda."
 
Clarice Lispector, "O que é a angústia", in A Descoberta do Mundo - Crónicas, Lisboa: Relógio d' Água, 2013, p. 629
 

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Das Leben...


 
"A vida é só uma sombra que caminha, um pobre actor que se pavoneia e se agita no palco durante uma hora e, depois, ninguém mais ouve. É um conto contado por um idiota, cheio de som e fúria, significando nada."

W. Shakespeare, "Macbeth", in Tragédias, Madrid: SAEPA, 1997, p. 360

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Ewiges Licht



"escrevo na poeira
antes da chuva
na ilusão de ser

- talvez semente"

Carlos Frias de Carvalho, antes da chuva in luz da água, Lisboa: Edição Babel, 20011:74

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Täuschung


"Próprio de tantos     de nós próprios
acender velas ou riscar fósforos

sonhando sempre que são archotes"

David Mourão-Ferreira, "Obra Poética 1948-1988", Lisboa: Editorial Presença, 1996: 283

domingo, 2 de junho de 2013

Die Stunde



"Vou
para um outro
mundo
que não tenha fim
ou uma barca a mais

Vou
para um outro
dia
que não tenha sombras
ou sabor a sol

Vou
para um outro
sonho
que não tenha aves
ou palmas de mãos"

Daniel Faria, "(PART)IDA", in Poesia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p. 385