quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Bevor du gehst...



"Despede-te de mim, bate devagar à porta:
tenho vontade de recomeçar, reerguer escombros,
ruínas, tarefas de pão e linho, não dar
nome às coisas senão o de um vago esquecimento,

abandono. Despede-te de mim como se a vida
começasse agora, não me procures onde
a memória arde e o destino se ausenta.

Tudo são banalidades, afinal, quando assim
se recomeça e a vida falha como um material
solar e ilhéu. Levamos poucas coisas, basta
um pouco de ar, os objectos fixos, em repouso,

os muros brancos de uma casa, o espaço
de uma mão. Arrumo as malas e os sinais,
aquilo que nos adormece em plena tempestade."

Francisco José Viegas, "De Amor" in  Os Outros. Antologia de Poesia Portuguesa: Anos 80 e depois . Lisboa: Editora Ausência, 2004, p.235

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Verlust 7



os lugares nunca partem
espalhamos neles os momentos
e os traços dos amigos
com eles dialogamos
nos momentos de maior solidão
e tristeza
e a eles regressamos
a saciar a saudade

sábado, 26 de outubro de 2013

Unvollständige Dialoge




"- (...) Não quero dizer tanto. Mas você é áspero. Com as pequenas do Marechal você não é tão brusco, tenho a certeza. Queria saber se é sòmente comigo ou com todo mundo. (...) É uma pena que a gente não possa dizer tudo. Quanta coisa é intraduzível dentro de nós. Em certas horas, eu queria que você estivesse perto de mim porque então eu saberia dizer melhor as coisas do que agora. Agora elas me parecem confusas. Mas naquelas horas não. Tudo é claro. Parece que a ausência favorece e enriquece a nossa imaginação. Quando estou só penso e converso muito melhor. A solidão nos ajuda realmente. Você terá razão nesse ponto.
- Não sou um solitário.
- Mas gosta de estar só. Ou melhor, aproveita bem o silêncio. Nem todo o mundo sabe aproveitar o silêncio. Há pessoas que só estão bem no tumulto, no ruído, na confusão. Estas não sabem aproveitar os momentos de absoluta mudez das coisas, quando então, as coisas falam melhor do que nunca. Aparentemente eu sou uma mulher ruidosa, reconheço. Mas sei aproveitar os meus momentos de silêncio, no meu quarto."
 
Gastão de Holanda, Os Escorpiões, Lisboa: Livros do Brasil, s. d., p.193-194
 

Die Abwesenheit eines Freundes



"Nós não podemos passar a vida perguntando. Haverá o dia que trará resposta."

Gastão de Holanda, Os Escorpiões, Lisboa: Livros do Brasil, s. d., p.137.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Traurig



"Havia em frente dela um espelho. A sua imagem apresentava-se pálida, abatida.
- Nem bonita sou - pensou, mas sem se importar."

Carolina Nabuco, A Sucessora, Lisboa: Livros do Brasil, s. d., p. 153-4

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Angst



"Este é o tempo todo que me falta
e nem é muito nem pouco."

Luiza Neto Jorge, Poesia ,  Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p. 165

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Trauriger Abschied 1




"Agora, falarei. Este silêncio entre nós não era natural..."

Carolina Nabuco, A Sucessora, Lisboa: Livros do Brasil, s. d., p.204

sábado, 19 de outubro de 2013

Samstags: Geschichten von Digen, die nicht zurückkommen



    "Mais tarde, também eu arrancarei o coração do peito para o secar como um trapo e usar limpando apenas as coisas mais estúpidas.
     Quando empedernir, esquecido de toda a humidade da vida, ficará entre as loiças, como inútil souvenir ou peça de mesa para uma festa que nunca acontecerá.
     Terei sempre pena dele. Estará como um animal antigo que perdeu a qualidade dos novos dias. Sem visitas. Será apenas a humilhação entristecedora de todos os afetos.
     Poderei, nas arrumações, preparando alguma partida, aligeirando os fardos, deixá-lo no lixo para que a natureza o recicle com as suas ganas aturadas de recomeçar tudo. Até lá, a minha coragem assume apenas a evidência de matéria morrendo. Começarei morrendo pelo coração.
     Gostarei sempre dele, como se gosta do que está extinto, sejam os dragões, os anjos ou as distâncias. Histórias de coisas que não voltam.
     O meu coração sem visitas perderá a memória e, quando nos separarmos de vez, certamente será mais feliz."
 
valter hugo mãe, A Desumanização, Porto: Porto Editora, 2013, p.223

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Hunger



"Sara senta-se nos degraus das casas destruídas

Sara é o nome do deserto
É o nome da videira estéril
É o nome à espera de ter filhos

Sara está velha de estar
Sozinha. Está sentada e desfaz
A bainha dos seu vestidos"

Daniel Faria, "Sara", in Poesia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p. 149



sábado, 12 de outubro de 2013

Unterhaltung 3



"E por cada instante me deixava levar pela ideia boa de partilhar e perdoar-me por ter crescido a partir de tanta insignificância. Redimia-me lentamente."

valter hugo mãe, A Desumanização, Porto: Porto Editora, 2013, p.179

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Unterhaltung 2



"(...) pensava que é impossível predizer o futuro com qualquer grau de precisão, que é impossível ensaiar a vida. Uma falta no cenário, um rosto na audiência, uma irrupção da audiência no palco, e todos os nossos gestos cuidadosamente planeados nada significam ou significam muito."
 
E. M. Forster, Um quarto com vista, Lisboa: Relógio D' Água, 2011, p.139