sábado, 20 de junho de 2015

Freunde, die Bäume sind




   "O seu movimento parado é uma ilusão, pois as árvores são extraordinárias viajantes que se deslocam através de distâncias incalculáveis. (...) E se estão ao pé de nós, sabemos também que estão sempre a partir. São fluídas. Mudam, de casca e de casa. Morrem. Migram da noite para o dia.
    Aprendemos a contar por elas as estações do ano e as da nossa vida. Há as árvores da infância. As do nosso bairro, anos mais tarde. Há uma árvore que avistamos de relance em situações que depois não esquecemos mais. Lembro-me de ter visto o poeta Mário de Cesariny abraçar uma árvore como quem abraça um amigo. Foi uma coisa tão grande! - ficamos a vê-lo, encolhidos e calados que nem ratos."


José Tolentino Mendonça, As cidades anónimas in "O Hipopótamo de Deus e outros Textos", Lisboa: Assírio & Alvim, 2010: 77-8


terça-feira, 16 de junho de 2015

Verzicht



"Estou só - estás só. Não penses. Não fales. És em ti apenas o máximo de ti. Qualquer coisa mais alta do que tu te assumiu e rejeitou como a árvore que se poda para crescer. Que te dá pensares-te o ramo que se suprimiu? A árvore existe e continua para fora da tua acidentalidade suprimida. O que te distingue e oprime é o pensamento que a pedra não tem para se executar como pedra. E as estrelas, e os animais.Funda aí a tua grandeza se quiseres, mas que reconheças e aceites a grandeza que te excede. Há uma palavra qualquer que deve poder dizer isso, não a sabes - e porque queres sabê-la? É a palavra que conhece o mistério e que o mistério conhece - não é tua. De ti apenas o silêncio sem mais e o eco de uma música em que ele se reabsorva. (...) O dia acaba devagar. Assume-o e aceita-o. É a palavra final, a da aceitação."


                                                       Vergílio Ferreira, para sempre, Lisboa: Bertrand Editora, 2001 , pp. 305-6

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Für H. H.



  "Mas era em silêncio que mais vivíamos. A deixar que fossem as plantas e os bichos a terem pelo vento partículas de conversas viajando.
   Quando se vive num silêncio tão grande, a tomar conta de algo tão distante, aprende-se a ver melhor. Aprende-se a ver pela cor das coisas, pelo movimento e até pelos odores o que pode estar a acontecer."

                                                                                                                                                                                             valter hugo mãe, O Rosto, Editora Objectiva: Carnaxide, 2010, p. 10

sábado, 6 de junho de 2015

Bitte frag mich nochmal!



"Pergunta-me
se te voltei a encontrar 
de todas as vezes que me detive 
junto das pontes enevoadas 
e se eras tu 
quem eu via 
na infinita dispersão do meu ser 
se eras tu 
que reunias pedaços do meu poema 
reconstruindo 
a folha rasgada 
na minha mão descrente 

Qualquer coisa 
pergunta-me qualquer coisa 
uma tolice 
um mistério indecifrável 
simplesmente 
para que eu saiba 
que queres ainda saber 
para que mesmo sem te responder 
saibas o que te quero dizer."

Mia Couto, Pergunta-me, in Raiz de Orvalho, Lisboa: Caminho, 1999, p. 29

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Vielen Dank! (Für A. M.)



"Os seres vivos organizam-se para prestar ajuda mútua... às vezes, tem dificuldades em ultrapassar os obstáculos que enfrentam nas suas intervenções de auxílio, mas sempre há criaturas fortes, prontas a ajudar, em todas as comunidades vivas. Encontrei centenas de exemplos disso no mundo animal. Entre pessoas, vi menos exemplos."

Sándor Márai, As velas ardem até ao fim, Alfragide: Publicações D. Quixote, 2001 , pp. 81-2

terça-feira, 2 de junho de 2015

Es wird schon alles gut gehen! (Für A. M.)







"Todos os pequenos acontecimentos são importantes. Todos os telefonemas adquirem uma dimensão inesperada. As palavras, por instantes, parecem corresponder a qualquer peso inesperado da verdade ou de verdade... Há uma atenção redobrada a tudo o que se transforma à nossa volta, mesmo que imperceptivelmente."


Al Berto, Diários, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p. 505