segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Erleichterung



 "- Como?
  - Está sempre a ler?
  - Eh...
  - É interessante?
  - Sim.
  - Boa continuação!
  - Obrigado!"

                                                                    Italo Calvino, "A Aventura de um Leitor" in Os Amores Difíceis, Alfragide: Teorema, 2011: 112

domingo, 30 de agosto de 2015

August, ein blauer Monat





"Está sentada, com as mãos sobre os joelhos, e olha pela janela, as horas passam. De vez em quando, chora devagar, as lágrimas começam a correr, funga e respira um pouco. Enxuga as lágrimas. Mas as lágrimas voltam a correr. A tarde fez-se noite."

Ingmar Bergman, "Dependência" in Lágrimas e Suspiros seguido de Persona e de Dependência, Lisboa: Assírio & Alvim, 2002, p. 169

sábado, 29 de agosto de 2015

Gelassenheit



"Vê,
que paz no universo.
A noite
impôs ao céu
a servidão de tantas
tantas estrelas."

Vladimir Maiakovski, «Autobiografia e poemas», Colecção Forma, Editorial Presença, 1973 (http://groups-beta.google.com/group/digitalsource)

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

So einfach...



"J'ai envie d'être célibataire à deux avec toi. J'ai envie que tu ailles prendre une bière avec tes amis, que tu sois magané le lendemain matin et que tu me demandes quand même d'aller te rejoindre parce que tu as envie de m'avoir dans tes bras, en cuillère, en grognant. J'ai envie qu'on parle dans le lit le matin de toutes sortes de trucs, mais que parfois, en après-midi, on décide de prendre chacun un chemin différent pour la journée.
J'ai envie que tu me racontes tes soirées avec tes chums. Que tu me racontes qu'il y avait une fille au bar qui te faisait de l'œil. Que tu m'envoie des textos quand tu es saoul avec tes amis, que tu me dises n'importe quoi, juste pour t'assurer que moi aussi je pense à toi.
J'ai envie qu'on se mette à rire en faisant l'amour. Qu'on se mette à rire parce qu'on essaie des nouveaux trucs et que ça n'a juste pas d'allure. J'ai envie qu'on soit chez nos amis, que tu me prennes par la main et que tu m'emmènes dans une autre pièce parce que tu n'en peux plus et que tu as envie là là de faire l'amour avec moi. J'ai envie d'essayer de rester silencieuse alors qu'il y a des oreilles qui pourraient nous entendre.
J'ai envie d'aller manger avec toi, que tu me fasses parler de moi, que tu parles de toi. Qu'on s'agace sur Hochelag' versus le Plateau, la Rive-Sud versus la Rive-Nord. J'ai envie qu'on imagine le loft de nos rêves, tout en sachant qu'on ne déménagera probablement jamais ensemble. Que tu me parles de tes projets qui n'ont ni queue, ni tête. J'ai envie d'être surprise. De me faire dire: prends ton passeport, on part.
J'ai envie d'avoir peur avec toi. De faire des trucs que je ne ferais pas avec un autre, parce qu'avec toi, j'ai confiance! De rentrer trop saoule après une bonne soirée avec les amis, baiser et se foutre de tout. Que tu me prennes le visage, que tu m'embrasses, que tu te serves de moi comme ton oreiller tellement tu me serres fort la nuit.
J'ai envie que tu aies ta vie. Que tu décides sur un coup de tête de partir en voyage quelques semaines. Que tu me laisses seule ici à m'ennuyer et à souhaiter avoir un petit pop-up de Facebook avec ta face qui me dit coucou.
J'ai envie de ne pas toujours être invitée dans tes soirées et j'ai envie de ne pas toujours t'inviter dans les miennes. Tout ça pour pouvoir te le raconter et t'entendre me raconter tes soirées le lendemain.
J'ai envie de quelque chose qui sera à la fois simple et à la fois pas si simple. Quelque chose qui fera en sorte que je me poserai souvent des questions, mais que la minute où je serai dans la même pièce que toi, je saurai.
J'ai envie que tu me trouves belle, que tu sois fier de dire que nous sommes ensemble. J'ai envie de t'entendre me dire que tu m'aimes et j'ai surtout envie de te le dire en retour.
J'ai envie que tu me laisses marcher devant toi pour regarder mes fesses aller de gauche à droite. Que tu me laisses gratter les vitres de mon auto l'hiver parce que mes fesses gigotent et que ça te fait sourire.
J'ai envie de faire des projets ne sachant même pas s'ils vont se réaliser. D'être dans une relation qui est tout sauf claire. J'ai envie d'être ta bonne chum, celle avec qui tu aimes chiller.
J'veux que tu gardes ton envie de flirter avec les autres filles, mais que tu reviennes vers moi pour terminer ta soirée. Parce que moi, j'aurai envie de retourner avec toi.
J'ai envie d'être celle avec qui tu aimes faire l'amour et t'endormir. Celle qui reste à l'écart quand tu travailles et qui aime tellement quand tu pars dans ton monde de musique.
J'ai envie de vivre une vie de célibataire avec toi. Que notre vie de couple, soit l'équivalent de nos vies de célibataires actuelles, mais ensemble.
Un jour, j'te trouverai."


Isabelle Tessier, "Celibataires à deux" in http://quebec.huffingtonpost.ca/isabelle-teissier

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Wer kommt noch?



"Estaremos condenados a eterno e cinzento nevoeiro? Talvez, a menos que enchamos coração e peito, inventando a brisa colorida que devolverá aos dias clássico diagnóstico - céu muito nublado com boas abertas."

                                              Júlio Machado Vaz, Estes difíceis amores, Lisboa: Dom Quixote, 2002, p. 152

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Einladung




"E não queiras depois fazer amor.
Convida-me só para jantar
num restaurante sossegado
numa mesa de canto
e fala devagar
e fala devagar
eu quero comer uma sopa quente
não quero comer mariscos
os mariscos atravancam-me o prato
e estou cansada para os afastar
fala assim devagar
devagar
não é preciso dizeres que sou bonita
mas não me fales de economia e de política
fala assim devagar
devagar
deita-me o vinho devagar
quando o meu copo estiver vazio.
Estou convalescente
sou convalescente
não é preciso que o percebas
mas por favor não faças força em mim.
Fala, estás-me a dar de jantar
estás-me a pôr recostada à almofada
estás-me a fazer sorrir ao longe
fala assim devagar
devagar
devagar"


Ana Goês, Convida-me só para jantar, Edição da Autora




quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Hoffnung 3






"Ergue-te e fita-me
 De amigo a amigo:
 Mostra-me o encanto:
 Dentro em teus olhos."

Safo, in Poesia de 26 séculos: De Arquíloco a Nietzsche, Coimbra: Fora do Texto, 1993, p. 28

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Abreisen



"Compreendi que o que agora a vida lhe dava era algo que não é dado a todos fixar de olhos abertos, como o coração mais encandeante de sol. E no coração deste sol estava silêncio. Tudo o que estava ali naquele momento não podia ser traduzido por mais nada, talvez nem sequer por uma lembrança."

 Italo Calvino, "A Aventura de um Poeta" in Os Amores Difíceis, Alfragide: Teorema, 2011: 153

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Vorabend


"Há algo que pode doer, ferir e queimar de tal maneira que talvez nem a morte seja capaz de dissolver esse sofrimento: se uma ou duas pessoas ferem aquele amor-próprio profundo, sem o qual não podemos viver em dignidade. Vaidade, dirias tu. Sim, vaidade... porém, essa dignidade é o conteúdo mais profundo da vida humana. Por isso temia o segredo. Por isso aceitamos qualquer solução, mesmo uma solução vil e cobarde - olha à tua volta, e encontras sempre essa solução a meio termo entre pessoas, na vida: um vai-se embora daquela ou daquelas pessoas que ama, porque tem medo do segredo, o outro fica, guarda silêncio e espera por alguma resposta... Foi isso que eu vi. E vivi. Não é cobardia isso, não... é a última defesa do instinto para viver. Voltei para casa, esperei até à noite, depois fui para a casa de caça e estive à espera de algo, de uma palavra, de uma mensagem (...)"

Sándor Márai, As velas ardem até ao fim, Alfragide: Publicações D. Quixote, 2001 , p. 139

Wunsch



"Enquanto  pudesse, queria avançar na leitura. O seu temor era não conseguir terminar o romance: o início de uma relação balnear podia significar o fim das suas calmas horas de solidão, um ritmo completamente diferente que se apoderava dos seus dias de férias: e já se sabe que quando uma pessoa se concentra na leitura de um livro, tendo de a interromper para a retomar depois, a maior parte do gosto perde-se: esquecem-se muitos pormenores, já não se consegue entrar nele como dantes."

                                                                       Italo Calvino, "A Aventura de um Leitor" in Os Amores Difíceis, Alfragide: Teorema, 2011: 117 

domingo, 9 de agosto de 2015

Bilder



"Para fazer entrar tudo isto numa fotografia era preciso conquistar uma habilidade técnica extraordinária, mas só nessa altura Antonino poderia deixar de fotografar. Esgotadas todas as possibilidades, no momento em que o círculo se fechava sobre si próprio, Antonino compreendeu que fotografar fotografias era o único caminho que lhe restava, aliás, o verdadeiro caminho que ele tinha procurado até então."

Italo Calvino, "A Aventura de um Fotógrafo" in Os Amores Difíceis, Alfragide: Teorema, 2011: 84

Brief 1







"Lembro-me agora que tenho de marcar um
encontro contigo, num sítio em que ambos
nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma
das ocorrências da vida venha
interferir no que temos para nos dizer. Muitas
vezes me lembrei de que esse sítio podia
ser, até, um lugar sem nada de especial,
como um canto de café, em frente de um espelho
que poderia servir de pretexto
para reflectir a alma, a impressão da tarde,
o último estertor do dia antes de nos despedirmos,
quando é preciso encontrar uma fórmula que
disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É
que o amor nem sempre é uma palavra de uso,
aquela que permite a passagem à comunicação ;
mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale,
de súbito, o sentido da despedida, e que cada um de nós
leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio
ser, como se uma troca de almas fosse possível
neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e
me peças: «Vem comigo!», e devo dizer-te que muitas
vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde,
isto é, a porta tinha-se fechado até outro
dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então
as palavras caem no vazio, como se nunca tivessem
sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar
um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos
para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que
é também a mais absurda, de um sentimento; e, por
trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia
seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores
do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos
encontrar, que há-de ser um dia azul, de verão, em que
o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas,
que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo
das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros."

Nuno Júdice, Carta (Esboço), in "Poesia Reunida"
 

sábado, 8 de agosto de 2015

Qual



"E ainda o que nos vale são as palavras, para termos a que nos agarrar."

Raúl Brandão, Húmus, Ribeirão: Edições Húmus, 2010, p.19

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Jeder Tag ist dieser Tag...




"Será um precipício, à beira do qual flutuamos, para sempre?"

                                                                                                                                                                      Cathleen Schine "A Carta de Amor", Lisboa: Editorial Presença, 1998, p. 202

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Alte Trauer



"Porque estão muito enganados os que imaginam ser possível apressar lutos à força de químicos, generosamente distribuídos à hora da refeição. As perdas, sobretudo as bruscas, inesperadas e estúpidas como estas, implicam uma adaptação que não pode ser confundida com olvido ou anestesia. O desaparecimento de um ente querido não se resume a outro golpe traiçoeiro da existência a vencer, confiando na sabedoria popular - «incha, desincha e passa». Não passa. As pessoas morrem, mas não nos deixam. Laboriosamente, construímos para elas altares aconchegados, nas fotografias da cômoda ou em neurónios saudosos mas pacíficos.
   Para essa paz, conviria encontrar os corpos que permitirão o choro de mãos dadas. Os rituais, religiosos ou não, e o apoio de quem dá um passo em frente para o que der e vier, ajudam as pessoas a fazerem a necessária viagem entre o estupor e a revolta iniciais e a reorganização dos seus quotidianos. O processo leva o seu tempo, diverso para cada um, mas é imperioso respeitá-lo."

 Júlio Machado Vaz, Estes difíceis amores, Lisboa: Dom Quixote, 2002, p. 166

domingo, 2 de agosto de 2015

Kleines Licht



"Desço. Ao longo do tempo, apesar dos boicotes, houve quem nos mimasse. Se estivesses aqui, regressados do hotel, contavas-me histórias até de madrugada. E eu, atenta mas a morrer de sono, invejava-te a genica, pensaria como foi um privilégio aprender contigo. Mas sobretudo um prazer jamais enferrujado saborear a nossa amizade. Fica bem."


                                Júlio Machado Vaz, Estes difíceis amores, Lisboa: Dom Quixote, 2002, p. 105

Herzlichen Glückwunsch zum Geburtstag, Axel!



"Tenho uma prenda melhor para ti.

É um anel que tu podes usar.
Cintila com uma luz especial e ninguém 
o pode roubar; não pode ser destruído.
És a única pessoa do mundo 
que pode ver o anel
que te dou hoje (...)

O teu anel dá-te um novo poder.
Quando o usares, podes subir nas asas
de todos os pássaros que voam -
podes ver pelos seus olhos dourados,
acariciar o vento que sopra através 
das suas penas de veludo,
conhecer a alegria de te elevares sobre o mundo
e as suas preocupações. Podes ficar
no céu todo o tempo que quiseres,
tanto durante a noite como durante a alvorada;
quando quiseres voltar cá abaixo,
as tuas perguntas terão resposta
e as tuas preocupações terão desaparecido."

Richard Bach, Não há Longe nem Distância, Publicações Europa-América: Mem Martins, 1979 

sábado, 1 de agosto de 2015

30 Jahre (Für J. M.)



"TESMAN 

Quase a nascer... quase a nascer o segundo dia. O segundo dia dos Tesman. Preferia que o primeiro não tivesse ainda acabado. Tentar prolongá-lo. Pedir ao sol que esperasse. Só que o sol não espera. Vão-se os anos como a água corrente. A onda que passou não volta a ser chamada. Os dias encolhem. O Outono passa a Inverno. E a casa resiste. As paredes ainda aqui estão. Estão. E o amor também. O amor dilui-se. Desconcentra-se. Altera-se. Adquire alcance e dimensão. Perde luminosidade. Ou cor. Ou ganha. Vai e vem. E permanece. E o sol volta a nascer e eu acabo sempre por entrar nesta casa. Sempre o gesto final, a entrada. A minha entrada aqui ao final do dia. No começo da manhã. Antes que o sol nasça. A nossa casa. O nosso destino. E a cabeça não pára."


                                                                                                                                                                                                  José M. V. Mendes, Hedda, Lisboa: Edições Cotovia, 2010, p. 43 

Der erste Tag



   "Mas o episódio foi bom por me mostrar que, talvez um dia, o amor seria possível. Ao Outono seguiu-se o Inverno, e, tal como mandam os moinhos de Deus, depois veio a Primavera. A voz de Schwarzkopf ecoava na minha cabeça com as palavras da Primavera de Grieg: «mais uma vez aconteceu o milagre, mais uma vez me foi concedida a felicidade...»
  Alguma coisa estava para acontecer. Mas ainda não seria o milagre. Os milagres não acontecem aos dezasseis anos. Nem aos dezoito, nem aos vinte; talvez nem aos trinta. E quanto à felicidade, essa coisa intangível, começavam a fazer sentido as palavras de Codorniz sobre a Terra Prometida vers laquelle on se hâte lentement. Apressamo-nos, de facto; mas lentamente."

                                                                                                                                                                         Fredrico Lourenço, Amar não acaba, Lisboa: Edições Cotovia, 2004, p. 114