domingo, 25 de janeiro de 2015

Schmerzliche Wahrheit




"O único nome que Genghi esquecera era precisamente o dela."


Marguerite Yourcenar, "O último amor do príncipe Genghi", in Contos Orientais, Lisboa: Publicações Dom Quixote,1996, p. 74


quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Starker Drang zu weinen




"Provavelmente está tudo dito. Mesmo o sentimento da ociosidade e da inutilidade das palavras é uma sensação infinitamente cansada. E, no entanto, temos de dizer tudo de novo todos os dias, de juntar os pedaços dispersos do mundo e, com eles, descobrir para nós um lugar do nosso tamanho ou, ao menos, uma forma de sentido para aquilo a que chamamos a nossa vida. E, para isso, tudo o que temos são palavras. O que sabemos: palavras; o que sonhamos: palavras; o que sentimos: palavras; e a nossa boca que fala é, também ela, só uma frágil e insegura palavra."


Manuel António Pina, "Apresentação sob a forma de crónica", in Crónica, saudade da literatura, Lisboa: Assírio & Alvim, 2013, p. 234

Nur heute, bitte!



"Não me peçam hoje lágrimas para aquele que morreu
E pensou.
Não me aluguem o dó, que não está disponível.
Nem me peçam que no sangue do que só acreditou
e morreu,
eu beba aquela coragem que sinceramente não tenho.
Fé por fé basta-me esta de acreditar hoje, só hoje,
que afinal não vale a pena.
Amanhã talvez esqueça 
ou perdoe.
Mas por hoje, céus, emprestai-me 
essas tubas dos arcanjos do fim do mundo
ou a trombeta castelhana d' Os Lusíadas,
ou qualquer coisa que berre.
Não tenho ideias a dizer,
nem sonhos, nem ódios, nem promessas.
Tenho só um grito, mas um grito longo,
horrendo, fero, ingente e temeroso
que me diz todo
por hoje,
só por hoje."

                                                  Vergílio Ferreira, Diário Inédito, Lisboa: Bertrand Editora, 2008 , p. 140

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Wie weit ist vorbei?



"Há um momento na vida em que tudo à volta começa a recuar. Livros ainda por ler, filmes a ver, conversas com quem se preencha um vazio de que já nem se dá conta - tudo se anula no que é o cinzento da indiferença. Não se chega a estar só porque para isso é precisa a companhia que falta. E já não falta. Como num registo cerebral, a linha lisa sem um estremecimento. Isto deve ter um nome. O de indiferença talvez seja demais, porque implica o da diferença. Mas nem isso. O de não estar à espera de nada por não haver sequer esse nada para esperar. Estou apenas até ser noite cada dia para dormir. E haver então uma coincidência perfeita entre o estar-se e o não se estar. Isso, isso. Sem sequer um incómodo a incomodar-nos e a fazer-nos estar vivo. Tarde imóvel de sol leve. Uma parede lisa para olhar. E não ver. Ou ao contrário."

                                        Vergílio Ferreira, Escrever, Lisboa: Bertrand Editora, 2001 , p. 106

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Es wird schon wieder gut


"A maneira de reagir à saudade e à tristeza é ter um coração bom e uma cabeça viva. A saudade e a tristeza não são doenças, ou lapsos, ou intervalos, como se diz nos países do Norte. São verdades, condições, coisas do dia a dia, parecidas com apertar os atacadores dos sapatos. É banalizando-as que as acompanhamos. Um sofrimento não anula o outro. Mas acompanha-o. Para isto é preciso inteligência e bondade.
Aquilo que resta são as pequenas alegrias. No contexto de tamanha tristeza e tanta verdade tornam-se grandes, por serem as únicas que há. Não falo nas alegrias que passam, como passam quase todas as paixões.
Falo das alegrias que se tornam rotinas, com que se conta: comprar revistas, jantar ao balcão, dormir junto do mar, dizer disparates, beber de mais, rir. Coisas assim. São essas coisas - entre as quais o amor - que não se podem deitar fora sem, pelo menos, morrer primeiro."

Miguel Esteves Cardoso, As minhas aventuras na República Portuguesa, Porto: Porto Editora, 2014

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Hoffnung?



"Provavelmente está tudo dito. Mesmo o sentimento da ociosidade e da inutilidade das palavras é uma sensação infinitamente cansada. E, o entanto, temos que dizer tudo de novo todos os dias, de juntar os pedaços dispersos do mundo e, com eles, descobrir para nós um lugar do nosso tamanho ou, ao menos, uma forma de sentido para aquilo a que chamamos a nossa vida. E, para isso, tudo o que temos são palavras. O que sabemos: palavras; o que sonhamos: palavras; o que sentimos: palavras; e a nossa própria boca que fala é, também ela, só uma frágil e insegura palavra."


Manuel António Pina, "Crónica, saudade da literatura, 1984 - 2012 - antologia", Lisboa: Assírio & Alvim, 2013, p. 234.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Wanderung




   "Por vezes caminho devagar para fazer o tempo passar mais lento, como se o tempo ficasse cansado e precisasse de respirar, de ganhar fôlego, como se o tempo ficasse um daqueles velhos que têm de parar quando a vereda é inclinada, inspira, expira.
   É por isso que por vezes ando mais devagar, para fazer o tempo ficar ancião, com as pernas desarticuladas, fracas, com um peito sem ar, com um coração fraquinho, isso consegue-se desacelerando, prevalecendo lento, não é por acaso que, ouvi dizer, as tartarugas vivem mais de cem anos.(...)
   É por isso que faço os meus passos mais pequeninos, não para viver longamente como as tartarugas, mas para prolongar o tempo que não me faz mal, de modo a que o tempo que me enche de grande tristeza seja muito rápido, como uma lebre a esconder-se numa toca.
    Nessas alturas mexo-me mais rápido, os braços são bruscos, o coração é uma gazela aos saltos, os olhos piscam, as pálpebras batem rapidamente, são asas de pássaro assustado, os músculos contraem-se, pequenas contrações, quase não dou por elas de tão esguias."

Afonso Cruz, Enciclopédia de História Universal, Mar, Lisboa: Alfaguara, 2014, pp. 56-7

Ein neues Jahr



"O amor
é uma ave a tremer
nas mãos de uma criança.
Serve-se de palavras
por ignorar 
que as manhãs mais limpas
não têm voz."

Eugénio de Andrade, Primeiros Poemas, As Mãos e os Frutos, Os Amantes Sem Dinheiro, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2000