segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Einschränkungen





   "Não se pode ter muitos amigos. Mesmo que se queira, mesmo que se conheçam pessoas de quem apetece ser amiga, não se pode ter muitos amigos. Ou melhor: nunca se pode ser bom amigo de muitas pessoas. Ou melhor: amigo. A preocupação da alma e a ocupação do espaço, o tempo que se pode passar e a atenção que se pode dar todas estas coisas são finitas e têm de ser partilhadas. Não chegam para mais de um, dois, três, quatro, cinco amigos. É preciso saber partilhar o que temos com eles e não se pode dividir uma coisa já de si pequena (nós) por muitas pessoas.
  Os amigos, como acontece com os amantes, também têm de ser escolhidos. Pode custar-nos não ter tempo nem vida para se ser amigo de alguém de quem se gosta, mas esse é um dos custos da amizade. O que é bom sai caro. A tendência automática é para ter um máximo de amigos ou mesmo ser amigo de toda a gente. Trata-se de uma espécie de promiscuidade, para não dizer a pior. Não se pode ser amigo de todas as pessoas de que se gosta. Às vezes, para se ser amigo de alguém, chega a ser preciso ser-se inimigo de quem se gosta."

Miguel Esteves Cardoso, «O que distingue os meus amigos verdadeiros», in Os Meus Problemas, Porto, Porto Editora, 2016

domingo, 29 de outubro de 2017

In Schweigen







"Há rosas cor de sangue que parece terem-se ferido com os seus próprios espinhos."


Ramón Gómez de la Serna, "Greguerías", Assírio & Alvim: Lisboa, 1998, p. 80

Wasserspeicher





"A água não tem memória: por isso é tão limpa."

Ramón Gómez de la Serna, "Greguerías", Assírio & Alvim: Lisboa, 1998, p. 28

domingo, 22 de outubro de 2017

Abgrund







"Impossível afastarmo-nos dele, arrancarmo-nos ao espetáculo dele, fascina-nos como a profundeza vista do alto de uma torre."

Miklós Szentkuthy,  Escorial, Lisboa: Editorial Teorema, 1991, pp. 256-7

sábado, 21 de outubro de 2017

Göttlichkeit






"Uma árvore é uma árvore: eis a origem e o espaço vital dos deuses. Porquê árvore? Que quer a árvore? Que quer ela fazer connosco e consigo própria? Terá sequer vontade? Quem a criou? É sentido ou sem-sentido?"

Miklós Szentkuthy,  Escorial, Lisboa: Editorial Teorema, 1991, pp. 78-9

Kaleidoskop





"Sabes porque destaco todos estes matizes? É porque vivo num mundo de sonhos (...)."

Miklós Szentkuthy,  Escorial, Lisboa: Editorial Teorema, 1991, p. 77


Blumenhaft





"Tem pétalas violáceas, cores do paradoxo, dos crepúsculos e dos indícios da Primavera, dos lilases ainda húmidos de puberdade, do luto mundano, das violetas que se tornam esfinge por efeito da meia-noite, da última fatia misteriosa do espectro polícromo, portanto, de toda a espécie de aristocratismos e de ambivalências fervilhantes. E qual é o sentido, o suposto conteúdo da vida, senão a manifestação do aristocratismo e do mistério?"

Miklós Szentkuthy,  Escorial, Lisboa: Editorial Teorema, 1991, p. 77


sábado, 7 de outubro de 2017

Dieses Licht







"Até a luz me é estranha.

Um excesso de luz.

Certas cores que não deveriam ocorrer num céu saudável."


José Eduardo Agualusa, Teoria Geral do Esquecimento, Lisboa: Publicações D. Quixote, 2012, p. 37