"Há muito tempo que eu não ouvia uma serenata. Ouvi-a ontem, já noite alta. Não para mim, que não mereço mais cantor, modinha ou violão, ao pé de minha janela, mas para a filha mais nova de Nhozinho Sá, dois sobrados adiante do nosso, aqui mesmo no Largo da Matriz. Entreabri a rótula, fiquei olhando. A Lua, agora, nasce tarde, e já estava por cima da igreja. Não vi as horas. Devia passar da meia-noite. Silêncio. A luz a escorrer das árvores, dos telhados, do beiral dos mirantes. E como me veio, de repente, uma vontade imensa de chorar, cerrei de manso a janela, deitei-me. Da cama, fiquei a olhar o Cristo do oratório, à luz do pedacinho de vela do castiçal, perguntando a Nosso Senhor por que isto aconteceu comigo?"
Josué Montello, Noite sobre Alcântara, Livros do Brasil: Lisboa, 1984, p. 183-184
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