"ouve a voz do outro como se fosse a tua
ouve a voz de todos como se fosse única
ouve-as todas à uma
alternadamente
como se te estivesse na cabeça desde o princípio dos tempos
ouve-a como se te tivesse sido soletrada no útero por uma placenta rarefeita que deixava passar os [lamentos
ouve o de cada um como se te dissesse respeito
ouve o de cada um como se tivesses respeito
e dá-lhes o benefício da dádiva se não entenderes à primeira por falarem a língua que te parece [desorientada porque as papilas sentiram o agridoce e perderam a coerência
ouve o mundo como se estivesse dentro da tua cabeça e deixa que todos possam parar os sussurros
deixa que todos berrem
ainda que te doam os pregões
as rezas e as injúrias
ouve-os como quem lê e discerne-os lentamente na multidão dos ruídos
e tenta não ser igual para todos mas igual para cada um
e deixa que gritem o teu nome ao ouvido em línguas diferentes
com sotaques diferentes e entoações diferentes
e
por favor
entende-os a todos
sê justo para todos mesmo que no fundo saibas ser impossível"
João Negreiros, o benefício da dádiva, in luto lento (http://joaonegreiros.blogspot.com/2009/12/o-beneficio-da-dadiva.html)
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