Veludo de silêncio. O ponteiro é o eco
antes da palavra. Aparece no bolso um lápis rombo que dir-se-ia ter roído as
unhas. O lápis só escreve as sombras das palavras. Como se aproveitam dos
borrões os compositores de música! Os borrões que atiramos ao acaso para
despejar a caneta caem nas pétalas amarelas e brancas dos pensamentos. Franzimos
o sobrolho porque queremos agarrar com pinças um grande pensamento que nos
escapa. Às vezes pensamos que, tal como as estrelas nos enviam luz de há
milhares de anos, nós próprios vivemos há muito este dia que hoje estamos a
viver de novo. O dia límpido, nítido e diáfano cheira a relógio. O pêndulo do
relógio embala as horas. Às doze horas, os ponteiros do relógio apresentam as
armas. Há coxos com perna de pau que florescem na primavera e se tornam
sátiros. Os coxos que usam um sapato com cunha parece que andam sobre o féretro
de um pé.
O escritor quer escrever a sua mentira e
escreve a sua verdade!
Ramón Gómez de la Serna, "Greguería",
Assírio & Alvim: Lisboa, 1998 (texto composto)
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