"Que é que fica - pergunta o convidado - nos nossos corações?...
- A outra pergunta - responde o general. E não solta a maçaneta da porta. - A outra pergunta resume-se em saber o que ganhámos com toda a nossa inteligência, orgulho e superioridade? (...) Sei que é uma pergunta difícil. Eu não sei responder-lhe. Vivi tudo, vi tudo, e não sei responder a essa pergunta. Vi paz e guerra, vi miséria e grandiosidade, vi-te cobarde e vi-me a mim mesmo vaidoso, vi luta e concordância. Mas no fundo, o significado da vida e das nossas acções talvez tenha sido esse laço que nos uniu a alguém - laço ou paixão, chama-lhe o que quiseres. Essa é a pergunta? Sim, é essa. (...) Pensas também que o significado da vida não seja outro senão a paixão, que um dia invade o nosso coração, a nossa alma e o nosso corpo, e depois arde para sempre, até à morte? Aconteça o que acontecer? E que se nós vivemos essa paixão, talvez não tenhamos vivido em vão? É assim tão profunda, tão maldosa, tão grandiosa e desumana a paixão?... E talvez não se dirija a uma pessoa em concreto, mas apenas ao desejo mesmo?... Essa é a pergunta. Ou dirige-se a uma pessoa em concreto, desde sempre e para sempre à única e mesma pessoa misteriosa, que pode ser boa ou má, mas cujas acções e qualidades não influenciam a intensidade da paixão que nos une a ela? Responde, se sabes responder - diz mais alto e insistente."
Sándor Márai, As velas ardem até ao fim, Alfragide: Publicações D. Quixote, 2001 , p. 152
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