"É altura de escrever sobre a espera. A espera tem unhas de fome, bico calado, pernas para que as quer. Senta-se de frente e de lado em qualquer assento. Descai com o sono a cabeça de animal exótico enquanto os olhos se fixam sobre a ponta do meu pé e principiam um movimento de rotação em volta de mim em volta de mim de ti.
Nunca te conheci - assim explico o teu desaparecimento. Ou antes: separei-me de ti no solstício de um verão ultrapassado. (...) Assim nos separámos. (...)
Alguma vez pretendi dizer-te o que quer que fosse? Falava por paixão por tibieza por desgosto por claridade por frio por cansaço
nunca por pretender dizer o que quer que fosse.
Não me desculpo. Se já me cai o cabelo se já não sinto os ombros é porque o amor é difícil ou a minha cabeça uma pedra escura que carrego sobre o corpo a horas e desoras ostentando-a como objecto público sagrado purulento. O odor que as pedras têm quando corpos. O apocalipse de tudo quando amamos. O nosso sangue em pó tornado entornado."
Luíza Neto Jorge, Poesia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2001, p. 110
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