quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Eine Frau...



"A mulher muitas vezes avança

A mulher muitas vezes caminha pela borda
Do vestido. Pudesse tocar
A fímbria ou a franja de toda a casa
Ela a sararia. Ela sairia
Com o cabelo solto

Muitas vezes a mulher prende o cabelo com as mãos
Cose muitas vezes com a lâmpada por dentro - a agulha
A cerzir o brilho. A mulher remenda
A lâmpada apagada. Por dentro
O coração ponteia alguma luz

A vida roda, o vestido rompe-se

A mulher é um barco quando se afunda
A hélice gira - gera como planta
Em redor da luz. A mulher
Anda em redor como corola
Sem pólen

A azenha anda à volta na memória e a água corre-lhe
Dos olhos. Põe o coração para a frente como os fuzilados
Enxuga os olhos como se espalhasse. A mulher
Varre infinitamente mais do que o que vemos ou somos capazes de imaginar

E há imagens na terra
Que nunca lhe lembram o céu"


Daniel Faria, "Do que sangro", in Poesia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p. 320-1

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