"há olhos que não vêem o voo, mas a sua queda, entre pedrisco; há olhos que não vêem o corpo no seu auge, mas a longa cicatriz; há olhos que não vêem o texto, mas a palavra, uma só, que cega todas as outras; há olhos que não vêem Deus, mas o seu teatro, os sinais da sua passagem ou da sua ausência; há olhos que constroem os sinais da passagem de um deus para conseguir parar. (...) Há este olhar que aflora as coisas, as faz crescer até ao insuportável, e lhes dá a dignidade do rudimento; que abre os lábios a uma só palavra e entra nos seus meandros para a esquecer; que torna cada coisa um vestígio e se apaga ao ir de uma coisa a outra; e neste percurso expõe a mortalidade; há um olhar que não vê nexos mas acumulação (...).
A mão abre a luz ao gesto, ilumina o silêncio de outra mão (...)"
Rui Nunes, O Choro é um Lugar
Incerto, Lisboa: Relógio D'Água, 2005, p. 31
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