Sentei-me
para escrever e fiquei pensando (Luís Filipe Castro Mendes, in Os Dias
Inventados, p. 16).
Prometi relatar a viagem, mas os lugares esfumam-se na memória das emoções. As
chagas abertas no caminho teimam ganhar vivacidade à clara luz do dia. Curá-las
é transpor a lucidez e reconhecer a irracionalidade de um erro.
Caminhar é,
naturalmente, um acto solitário, que se executa num gesto lento e concentrado.
Cada passo se processa numa íntima decisão, numa escolha deliberada e
cuidadosa. Evitar o atrito do percurso, muitas vezes íngreme, exige igualmente
um esforço físico intenso. Assim conjugados, físico e intelecto se organizaram
e aqui testemunham vivências comuns.
O Caminho de Santiago
apresenta-se como um percurso sinuoso e penoso, que exige, além da natural
preparação física, uma activa consciência espiritual de busca, de sacrifício,
de partilha e comunhão. Ser peregrino é um acto solene, uma promessa renovada a
cada passo, a cada dificuldade, como uma oração que o Alto raramente escuta.
Numa quase
interminável contagem decrescente, os metros prolongam-se pelas milhas
dolorosas da descrença. E eis que num gesto inumano, quase celestial, a
natureza se revela. E chove imenso. A água penetra cada poro da pele e
mistura-se com a transpiração, de tal modo que segundos depois se tornam
indistintas. Como Pascoaes, “vesti-me de sombra e senti o silêncio pousar-me no
coração” (in Poesia de Teixeira de
Pascoaes, antologia organizada por Mário Cesariny, p. 160). Era hora!
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