sábado, 11 de janeiro de 2014

Sei nun mutig!



    "O dia de hoje não tem fim ... e já passou! Ele, que foi pedra sobre nós, volatizou-se: é o dia de ontem. Seu vulto cruel embrandeceu; os minutos que o formaram perderam-se uns nos outros; desapareceram todos no incêndio do Poente... E o dia de ontem é tão distante como o primeiro dia da nossa infância! É um dia que nunca existiu...
    Se o dia de hoje é a nossa pessoa e a dor coincidindo, o dia de ontem é a nossa pessoa já lembrança, liberta do sofrimento. Cada dia que foge nos resgata. Desaparecemos no poente...
    O Sol regressa e nós regressamos também. Repete-se o Drama. Deus e Satã continuam o duelo interrompido. Depois, o Sol nasce do horizonte, com duas manchas de sombra que são os nossos olhos já desfeitos em poeira... Entre ele e o mundo paira uma nuvem negra: é o nosso espectro, a nossa hora morta e para sempre extasiada na sua própria escuridão..."
 
Teixeira de Pascoaes, O Bailado, Colecção "Obras Completas de Teixeira de Pascoaes", organização de Jacinto do Prado Coelho, volume VIII, Livraria Bertrand: Amadora, 1973, pp. 164-5 

Sem comentários: