"Quando o amor entra no tempo proibido dos interesses humanos, perdidas estão as razões que os guiam. Estabelece-se a perturbação, os risos tornam-se mais perplexos que motivados por qualquer coisa ou alguém. Não é raro que uma mulher consciente do seu poder, se encontre com um amor que é para ela como a instrução da imortalidade. Começa por chorar e alegrar-se à toa, a seguir languidece, como diz o poeta, como uma semente no chão, esperando ser encontrada. Antes do desejo está a deslumbrada fogueira da madrugada que o sol não deixa imaginar que arde. Depois o objecto do amor é distinguido como a alvura sobre a neve. O seu costume, os seus modos e feitios são recolhidos num arquivo onde não se extinga a memória. Vanessa disse, enquanto fumava um charro, que lhe acontecia alguma coisa como uma doença:
- Tenho calor e frio, não percebo. Quem me pôs assim?
Porque é normal ignorarmos quem se ama, e esse alguém não se diferencia durante algum tempo das coisas voláteis e indiferentes."
Agustina Bessa-Luís. O Princípio da Incerteza: Jóia de Família. Lisboa: Guimarães Editores, 2005, pp. 75-6
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