"Por vezes caminho devagar para fazer o tempo passar mais lento, como se o tempo ficasse cansado e precisasse de respirar, de ganhar fôlego, como se o tempo ficasse um daqueles velhos que têm de parar quando a vereda é inclinada, inspira, expira.
É por isso que por vezes ando mais devagar, para fazer o tempo ficar ancião, com as pernas desarticuladas, fracas, com um peito sem ar, com um coração fraquinho, isso consegue-se desacelerando, prevalecendo lento, não é por acaso que, ouvi dizer, as tartarugas vivem mais de cem anos.(...)
É por isso que faço os meus passos mais pequeninos, não para viver longamente como as tartarugas, mas para prolongar o tempo que não me faz mal, de modo a que o tempo que me enche de grande tristeza seja muito rápido, como uma lebre a esconder-se numa toca.
Nessas alturas mexo-me mais rápido, os braços são bruscos, o coração é uma gazela aos saltos, os olhos piscam, as pálpebras batem rapidamente, são asas de pássaro assustado, os músculos contraem-se, pequenas contrações, quase não dou por elas de tão esguias."
Afonso Cruz, Enciclopédia de História Universal, Mar, Lisboa: Alfaguara, 2014, pp. 56-7
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