domingo, 12 de abril de 2015

Gedächtnis



"Agora que ultrapassara a primeira surpresa, sentia-se de repente cansado. Uma pessoa prepara-se para alguma coisa durante a vida inteira. Primeiro, sente-se ofendido. Depois quer vingança. A seguir, fica à espera. Há muito que não aguardava. Já não sabia até que ponto o ressentimento e o desejo de vingança se haviam transformado em espera. Tudo perdura no tempo, mas torna-se tão pálido como aquelas fotografias muito antigas que ainda foram fixadas em chapas metálicas. A luz e o tempo retiram das chapas as tonalidades nítidas e características dos traços. É preciso rodar a fotografia e encontrar uma certa refracção da luz para podermos reconhecer na obscura chapa metálica a pessoa cujas feições foram absorvidas pela placa. Deste modo se desvanecem no tempo todas as lembranças humanas. Mas um dia a luz cai dum lado qualquer e tornamos a ver um rosto."

                          Sándor Márai, As velas ardem até ao fim, Alfragide: Publicações D. Quixote, 2001 , p.17

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