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– Há coisas que é difícil
dizerem-se – continuou. – É preciso que tudo esteja de acordo. Com esta luz e
esta alegria de Verão e este bem-estar de uma esplanada, eu não podia dizer-te,
por exemplo, que me vou matar.
– Que estupidez. Mas não tentes
desconversar.
– Seria estúpido – disse o rapaz.
– Não vou de facto matar-me. Mas não tinha outra maneira de to dizer, se fosse.
E seria estúpido, porque tudo estava em desacordo. Não era coisa que se
dissesse a uma hora de praia e de sol.
A rapariga ficou a olhá-lo algum
tempo intensamente, a tentar ouvir-lhe o que já não dizia.
– Nunca está certa, aliás, seja a
que hora for – continuou o rapaz. – Tudo pode estar certo talvez a qualquer
hora. Menos essa banalidade ridícula da morte. De tudo se pode falar, menos
dela. Nem falar, nem filosofar, nem fazer seja o que for que a tenha a ela em
conta. Há uma aliança contra ela como contra uma infâmia. Ou como se o não
falar a excluísse. E é a única verdade perfeita.
– Mas é uma conversa idiota –
disse a rapariga fitando o companheiro de lado, a entender.
– Tudo é erro e ludíbrio: o
triunfo, o poder, as ideias, mesmo as matemáticas. Tu pensa no que quiseres e
verás que tudo erra. Há só uma coisa que não. E é do que se não pode falar."
Vergílio Ferreira, Uma esplanada sobre o mar in "Contos", Lisboa:
Bertrand Editora, 1995 , pp. 247-8
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