segunda-feira, 1 de abril de 2013

Diejenige...



"aqueles que têm nome e nos telefonam
um dia emagrecem - partem
deixam-nos dobrados ao abandono
no interior duma dor inútil muda
e voraz
 
arquivamos o amor no abismo do tempo
e para lá da pele negra do desgosto
pressentimos vivo
o passageiro ardente das areias - o viajante
que irradia um cheiro a violetas nocturnas
 
acendemos então uma labareda nos dedos
acordamos trémulos confusos - a mão queimada
junto ao coração
 
e mais nada se move na centrifugação
dos segundos - tudo nos falta
 
nem a vida nem o que dela resta nos consola
e a ausência fulgura na aurora das manhãs
e com o rosto ainda sujo de sono ouvimos
o rumor do corpo a encher-se de mágoa
 
assim guardamos as nuvens breves os gestos
os invernos o repouso a sonolência
o vento
arrastando para longe as imagens difusas
daqueles que amámos mas não voltaram
a telefonar"

Al Berto, O Medo, Lisboa: Assírio e Alvim, 1997, p. 592


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