quarta-feira, 5 de março de 2014

Briefe




"Tinha acabado de te escrever uma carta - mais uma, talvez a terceira - que nunca te cheguei a mandar e que destruí depois. E, escrevendo, poupei as coisas que gostaria de te ter dito e que gostaria que tivesses ouvido. Cheguei quase a convencer-me de que bastava escrever-te para tu me ouvires, mesmo que nunca tenha chegado a pôr as cartas no correio. Porque era tão sentido e tão magoado, tão distante, o que te dizia nessas cartas, que quase acreditei que tu não podias deixar de me ouvir. Não é verdade, pois não? Devia ter falado contigo, mas. se calhar, já era tarde, então. Já tantas coisas tinham passado pela minha vida, entretanto! A meada era já demasiado grande e longa para poder retomar o fio, onde quer que fosse. Queria que me ouvisses e que falasses comigo."

Miguel Sousa Tavares, No teu deserto, Alfragide: Oficina do Livro, 2009, p. 100-101

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