segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Alte Trauer



"Porque estão muito enganados os que imaginam ser possível apressar lutos à força de químicos, generosamente distribuídos à hora da refeição. As perdas, sobretudo as bruscas, inesperadas e estúpidas como estas, implicam uma adaptação que não pode ser confundida com olvido ou anestesia. O desaparecimento de um ente querido não se resume a outro golpe traiçoeiro da existência a vencer, confiando na sabedoria popular - «incha, desincha e passa». Não passa. As pessoas morrem, mas não nos deixam. Laboriosamente, construímos para elas altares aconchegados, nas fotografias da cômoda ou em neurónios saudosos mas pacíficos.
   Para essa paz, conviria encontrar os corpos que permitirão o choro de mãos dadas. Os rituais, religiosos ou não, e o apoio de quem dá um passo em frente para o que der e vier, ajudam as pessoas a fazerem a necessária viagem entre o estupor e a revolta iniciais e a reorganização dos seus quotidianos. O processo leva o seu tempo, diverso para cada um, mas é imperioso respeitá-lo."

 Júlio Machado Vaz, Estes difíceis amores, Lisboa: Dom Quixote, 2002, p. 166

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