"Um amigo (porque a amizade é a mais alta e desprendida forma do amor) é isso, uma referência da nossa identidade (ou lá o que é aquilo que somos), uma habitação que, mais do que habitamos, nos habita ela, e por isso é que, de cada vez que um amigo desaparece, temos que recomeçar do princípio a nossa própria construção.
À medida que os anos passam, tenho deste modo (e estou certo de que, de um modo ou de outro, há-de acontecer algo semelhante com todos nós: uma espécie de terramoto interior, com réplicas que depois nunca mais deixam de repetir-se, cada vez menos sensíveis, ao longo da vida toda) construído e perdido sucessivamente mundos. E fui-me habituando ao convívio com a morte, à presença de lugares vazios à minha volta, que a memória nunca preenche completamente, nem a melancolia. E, no entanto..."
Manuel António Pina, "Lembrança dos amigos mortos", in Crónica, saudade da literatura, Lisboa: Assírio & Alvim, 2013, pp. 591-2
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