domingo, 24 de agosto de 2014
Unvergessbar
"Exactamente como foi, o medo de me enganar
mais tarde na memória - é tudo o que me resta: estar
de noite às escuras a pensar em ti.
E se me lembro mal, se troco as vezes, naquela
quinta-feira o dia do amor em vez de ser
na quarta, o erro surge-me gigante,
um peso carregado como Atlas.
Por isso é que preciso de lembrar coisas
exactas, como aconteceu tudo; não só
transpor depois a ficção recolhida, sou eu
que te preciso e dos teus dias
que me foram meus.
Lembro-me exactamente como foi, o que usei
nesse dia e o que usei no outro, até que horas
tudo, se havia gente ou não
e em que dia. Porque as palavras depois se
reconstroem.
O que se disse então torna-se
fácil - é tudo o que me resta: recordar.
Assim dito parece coisa pouca, lugar comum e
fácil, mas as noites são grandes
e lembrar-te
exactamente
de uma forma correcta
é-me tão importante
dentro das noites a pensar em ti
sabendo: não te vejo nunca mais."
Ana Luísa Amaral, "Memórias" in Ara, Porto: Sextante Editora, pp. 51-2
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