"(Uma palavra que se procura o dia todo, sem achar, e de noite se continua procurando, por dentro dos sonhos, e não se encontra nunca, é uma palavra branda, talvez, uma palavra branca, começa por a porque a é o princípio, mas não acaba, é uma palavra instável, ondulante, que muda com o vento e se transforma, é o mar, não é o mar, é o vento, o céu, é o campo, a praia, a areia, é o corpo, é a nuvem, é o mar, sempre o mar, não é o mar, adivinha onde começa e onde acaba, tem princípio porque tudo tem princípio, ou não tem talvez fim e não começa.)
(...) é uma palavra transparente, formou-se lentamente, através dos dias, acumulou-se em mim, enquanto eu atravessava as coisas, em qualquer momento virá, densa e funda e também leve, subindo, porque eu a sei, eu a sei, juro cerrando os dedos de concentração, só a sua forma me escapa, o seu percurso, (...)
(De olhos vendados, tacteando, procuro a palavra estendendo as mãos por entre as folhas, debaixo da areia, nos intervalos entre as pedras - e de repente sei que não a vou encontrar nunca.)"
Teolinda Gersão, Os guarda-chuvas cintilantes. Diário. Cadernos I, Lisboa: Sextante Editora, 5ª edição, 2014, pp. 58-9
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