terça-feira, 30 de agosto de 2011

Traurigkeit 1



"A ausência dos meus amigos é, de todos os
desesperos, aquele que mais me aflige.
É como a erva calcada nos campos:
uma ameaça contra a respiração."


Daniel Faria, O Livro do Joaquim, Quasi Edições: V. Nova de Famalicão, 2007, p. 67

domingo, 28 de agosto de 2011

Schweigend 3



"rendo-me ao teu abismo
 inundado só de ausência

 no lugar que foi da luz
 e qu em mim se evaporou"

Carlos Frias de Carvalho, no lugar que foi da luz in luz da água, Lisboa: Edição Babel, 20011 p. 62

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Schweigend 2



"Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.
Mas finge sem fingimento.
Nada 'speres que em ti já não exista,
Cada um consigo é triste.
Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,
Sorte se a sorte é dada."

Fernando Pessoa, Odes de Ricardo Reis (Introdução, organização e bibliografia de AntónioQuadros). Mem Martins: Publicações Europa-América, s. d., p. 141

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Das Leben wiederholt sich...



"Assim os vivos também se tornam fantasmas: bato-lhes
à porta da alma, vagueio num descampado de sentimentos,
chamo-os - e vejo-os partir. Construo a solidão
com os pedaços das imagens que me deixaram. Ergo
edifícios a partir de memórias, de palavras, de gestos que
ficaram das nossas conversas, quando o tempo se reduzia
ao instante que vivíamos, e nenhum futuro nos impunha
a sua sombra. Agora, porém, a que estação te irei buscar? Em
que banco de jardim te irei surpreender, olhando essa manhã
que marca a separação dos amantes? Limito-me a esperar
que esta porta se abra, uma vez mais, e a primavera
entre para este quarto onde a noite se instalou."

Nuno Júdice, Carta de Orfeu a Eurídice in Pedro Lembrando Inês, Lisboa: Publicações D. Quixote, 2001, p. 45

Sie stammen aus einer alten Himmel...



"Vêm de um céu antigo, um céu
talvez de ficção. Vejo-as chegar,
vejo-as partir. São aves
de passagem, não lhes sei o nome.
Têm como eu pouca realidade.
Seguem a direcção do vento,
rumo a sul, chamadas
pela cal, ardendo sobre o mar.
É difícil, a nostalgia;
naturalmente mais difícil quando
o tempo fere o nosso olhar
e o priva do que fora mais seu:
a nudez musical da luz primeira.
Mas de que falo eu, se não forem aves?"


Eugénio de Andrade, O Sal da Língua, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 1996, p. 28

domingo, 21 de agosto de 2011

Es regnet...




"Há tanto tempo que não chove assim!

O dia veste um céu triste e cinzento,
e ouço a chuva a cair como um lamento
no seu rumor monótono... sem fim...

Que estranha sensação de isolamento!
-Nem uma voz ouço ao redor de mim,
escuto apenas lá por fora, o vento
a desfolhar as flores no jardim...

Ninguém ao meu redor... ninguém me fala...
-e me deixo a ficar num tédio imenso,
na tóxica penumbra desta sala...

Que inquietude vazia há dentro de mim!
-Não sei se existo... não sei bem se penso...

Há tanto tempo não chove assim!"

J. G. de Araújo Jorge, Chuva in http://www.jgaraujo.com.br/bazar/chuva.htm



sábado, 20 de agosto de 2011

Nimm dir Zeit!


 
"Ao abrir a janela do quarto para outras
janelas de outros quartos, ao veres que a rua desemboca
noutras ruas, e as pessoas que se cruzam, no início da
manhã, sem pensarem com quem se cruzam
em cada início da manhã, talvez te apeteça
voltar para dentro, onde ninguém te espera. Mas
o dia nasceu - um outro dia, e a contagem do tempo
começou a partir do momento em que
abriste a janela, e em que todas as janelas
da rua se abriram, como a tua. Então, resta-te
saber com quem te irás cruzar esta manhã: se
o rosto que vais fixar, por uns instantes, retribuirá
o teu gesto; ou se alguém, no primeiro café que
tomares, te devolverá a mesma inquietação
que saboreias, enquanto esperas que o líquido
arrefeça."


Nuno Júdice, Rotina in Pedro Lembrando Inês, Lisboa: Publicações D. Quixote, 2001

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Ein neuer Brief für dich




"Lembro-me agora que tenho de marcar um
encontro contigo, num sítio em que ambos
nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma
das ocorrências de vida venha
interferir no que temos para nos dizer. Muitas
vezes me lembrei de que esse sítio podia
ser, até, um lugar sem nada de especial,
como um canto de café, em frente de um espelho
que poderia servir de pretexto
para reflectir a alma, a impressão da tarde,
o último estertor do dia antes de nos despedirmos,
quando é preciso encontrar uma fórmula que
disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É
que o amor nem sempre é uma palavra de uso,
aquela que permite a passagem à comunicação
mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale,
de súbito, o sentido da despedida, e que cada um de nós
leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio
ser, como se uma troca de almas fosse possível
neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e
me peças: «Vem comigo!», e devo dizer-te que muitas
vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde,
isto é, a porta tinha-se fechado até outro
dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então
as palavras caem no vazio, como nunca tivessem
sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar
um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos
para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que
é também a mais absurda, de um sentimento; e, por
trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia
seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores
do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos
encontrar, que há-de ser um dia azul, de verão, em que
o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas,
que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo
das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros."


Nuno Júdice, Carta (Esboço) in Poemas de Amor, Antologia de poesia portuguesa, Organização e prefácio de Inês Pedrosa, Publicações D. Quixote, 2001

domingo, 14 de agosto de 2011

Ein schöner Tag!



"Meio-dia. Um canto da praia sem ninguém.
O sol no alto, fundo, enorme, aberto,
Tornou o céu de todo o deus deserto.
A luz cai implacável como um castigo,
Não há fantasmas nem almas,
E o mar imenso, solitário e antigo,
Parece bater palmas."

Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética I, Editorial Caminho, 1995, p. 19.



sábado, 13 de agosto de 2011

Verzweiflung



"Da minha natureza brotou um fero desespero; um abandono à dor que até compungia ver; raiva sensível e impotente; azedume e desdém; angústia que chorava alto; aflição que não podia encontrar voz; dor que era muda. Atravessei todas as possíveis modalidades do sofrimento. Melhor que o próprio Wordsworth sei o que Wordsworth queria dizer quando escreveu:

                «O sofrimento é permanente, obscuro,
                  E tem a natureza do infinito.»"

Óscar Wilde, De Profundis seguido da Balada do Cárcere de Reading, Lisboa: Portugália Editora, 2008, p. 21

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Verstummt...



"Por fim, a mão ficou imóvel, os dedos dobraram-se, crispando-se na palma, a boca entreabriu-se (ao separarem-se, os lábios pronunciaram «Pp...» como uma garrafa vazia que se destapa) - ouviu-se a sua voz mais surda do que nunca:

- São graves as palavras que tenho para vos dizer."

Vercors, O Silêncio do Mar, Lisboa: Editorial Presença, 1999, p.51

terça-feira, 9 de agosto de 2011

So war es heute...




"Estive
algumas vezes só
como um rochedo
batido pelas bestas ondas verdes
do mar adjacente. Só
é como estar ausente
no centro exato. Limita por dentro.
O céu redondo, capa impermiável
ou sobretudo lírico, acrescenta
um toque de ironia
ou de clemência: ave,
algumas vezes chuva,
no mínimo uma estrela."

Rubens Rodrigues Torres Filho, "Um Toque", in Antologia de Poesia Brasileira do Século XX: Dos Modernistas à Actualidade , org. Jorge H. Bastos, Lisboa: Antígona, 2002, p. 308

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Ein Fluss, was sonst?



 
"Um rio extravasou-me da memória, a que o mantinham preso as forças do passado. Nas suas margens, o meu corpo divide-se entre a História e a atmosfera, tomando assim o peso à realidade que através de todos os meus poros se prcura incorporar na marcha dos sentidos. Alguma coisa nela toma por transporte a luz, outra as metáforas que cuidadosamente vou tentando encaminhar para um terreno mais seguro. Um pão aguarda entre os escombros que a solidão venha devorá-lo. Sei que existe algures um espelho onde a imagem do meu rosto incorpora a eternidade, mas os olhos de que por enquanto vou dispondo não me permitem vislumbrá-lo. Parece trepidar a toda a minha volta um mecanismo de que a História fosse o combustível. Da memória abro veredas para as partes do meu corpo mais expostas à devastação das águas."


Luís Miguel Nava, Poesia Completa 1979-1994, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2002, p. 195

sábado, 6 de agosto de 2011

Wasserunterricht



"Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.


É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.


Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão."


António Gedeão, Obra Completa, Lisboa: Relógio D'Água, 2004, p. 202

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Ja, ich bin traurig!



"Antonia (baixinho) Tenho frio, tanto frio.
 A casa está a ficar silenciosa e fria.
 E eu não consigo dizer nada
 enquanto espero que regresses
 enquanto espero por ti, enquanto espero..."

Ian McEwan, Por ti, Lisboa: Gradiva, 2009, p. 57


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Einfach das Leben...


"Aí estava diante de si - a vida. A vida: pensou, mas não concluiu o pensamento. Lançava um olhar à vida, pois dela tinha a nítida sensação, ali, algo de real, algo de privado (...) Uma espécie de pacto que se estabelecia entre ela e a vida, e estava tentando tirar da vida o melhor proveito, tal como dela tentava a vida tirar o melhor proveito; e, por vezes, conferenciavam (quando se sentava sozinha); havia, lembrava-se, grandes cenas de reconciliação; mas, na maior parte dos casos e de forma muito estranha, tinha de admitir que sentia essa coisa a que chamava vida como algo de hostil e terrível, pronta a lançar as garras sobre nós, se lhe dermos oportunidade. Havia os eternos problemas: o sofrimento; a morte; os pobres. Havia sempre uma mulher a morrer de cancro, aqui, à nossa beira."

Virgínia Woolf, Rumo ao farol, Lisboa: Relógio D'Água, 2008, p. 53