terça-feira, 29 de setembro de 2015

Verzicht



"Podia ter sido assim comigo. Não foi. Não houve nem amor, nem homem, nem alma. O que sucedeu é que , com o tempo, deixei de ter esperas. E quem deixa de ter esperas é porque já deixou de viver. E é por isso que fujo: tenho medo de ser devorada. Não pela ansiedade que mora dentro de mim. Devorada pelo vazio de não amar. Devorada pelo desejo de ser amada."

                                Mia Couto, A confissão da leoa, Alfragide: Editorial Caminho, 2012, p. 61

sábado, 26 de setembro de 2015

Verstummt




"Mas o silêncio é um ovo às avessas: a casca é dos outros, mas quem se quebra somos nós."


Mia Couto, A confissão da leoa, Alfragide: Editorial Caminho, 2012, p. 21

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Stimme der Liebe



"Um dedo de oração 
tocou-me nos lábios
pedindo silêncio."

Richard Zimler, A Voz do Amor. 72 Haiku Cabalísticos, Braga: AL - Publicações. 2015, p. 49

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Tiefen Schmerz



"Eis-me frente a estas páginas brancas, meu porvir, cuidando derramar minha vida para continuar vivendo, para me ter vivido, para me arrancar à morte de cada instante. A um tempo, cuido consolar-me do meu desterro, do desterro da minha eternidade, deste desterro a que me apetece chamar meu des-céu."

Miguel Unamuno, "Como se faz uma novela", in A Tia Tula, Lisboa: Edições Verbo, s.d., p. 137

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Beweinung



"A amizade não é uma dádiva, é uma espécie de tesouro escondido onde só se alcança depois de ter vencido longamente caminhos e tempestades, e passado portas, e enfrentado monstros e dragões, e voltado muitas vezes atrás e recomeçado de novo a partir da solidão e do exílio. Por isso, a perda de um amigo é, de facto (não apenas metaforicamente ou apenas simbolicamente), a perda de uma parte de nós. Porque somos feitos da confusa e inconstante matéria da memória, da nossa própria memória e da memória dos outros (a nossa memória dos outros e a memória dos outros de nós) e cada um de nós pode também dizer de si: «Eu era um tesouro escondido, e precisei de ser revelado...»"

Manuel António Pina, "Um adeus como todos imenso", in Crónica, saudade da literatura, Lisboa: Assírio & Alvim, 2013, p. 266

Bitte, hör mich an!




"O que é a vida de cada homem senão o esforço desolado de ordenação do caos num cosmos onde se reconheça?"

Manuel António Pina, "A sombra de outra vida", in Crónica, saudade da literatura, Lisboa: Assírio & Alvim, 2013, p.267

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Verloren





"Não há dúvida, está perdida. Deu uma volta, deu outra, já não reconhece nem as ruas nem os nomes delas, então, desesperada, deixou-se cair no chão sujíssimo, empapado de lama negra, e, vazia de forças, de todas as forças, desatou a chorar. Os cães rodearam-na, farejam os sacos, mas sem convicção, como se já lhes tivesse passado a hora de comer, um deles lambe-lhe a cara, talvez desde pequeno tenha sido habituado a enxugar prantos. A mulher toca-lhe na cabeça, passa-lhe a mão pelo lombo encharcado, e o resto das lágrimas chora-as abraçada a ele. Quando enfim levantou os olhos, mil vezes louvado seja o deus das encruzilhadas, viu que tinha diante de si um grande mapa, desses que os departamentos municipais de turismo espalham no centro das cidades, sobretudo para uso e tranquilidade dos visitantes, que tanto querem poder dizer aonde foram como precisam saber onde estão. Agora, estando toda a gente cega, parece fácil dar por mal empregado o dinheiro que se gastou, afinal há é que ter paciência, dar tempo ao tempo, já devíamos ter aprendido, e de uma vez para sempre, que o destino tem de fazer muitos rodeios para chegar a qualquer parte, só ele sabe o que lhe terá custado trazer aqui este mapa para dizer a esta mulher onde está. Não estava tão longe quanto cria, apenas se tinha desviado noutra direcção, só terás de seguir por esta rua até uma praça, aí contas duas ruas para a esquerda, depois viras na primeira à direita, é essa a que procuras, do número não te esqueceste. Os cães foram ficando para trás, alguma coisa os distraiu pelo caminho, ou então muito habituados ao bairro e não querem deixá-lo, só o cão que tinha bebido as lágrimas acompanhou quem as chorara, provavelmente este encontro da mulher e do mapa, tão bem preparado pelo destino, incluía também um cão."

José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira, Lisboa: Editorial Caminho. 1995

domingo, 13 de setembro de 2015

Geburtstag


"Pega no presente como se nascesses no Natal e não sofras com o que foi ... que o que foi está longe como o que foi agora uma vez.
Pega no presente e envolve-o lasso suficiente para caber quem gostas.
Pega no presente e começa de novo usando tudo para trás como informação tua noutra vida em que eras o mesmo... mas não tão perfeito.
Pega no presente e percebe que é o momento.
Pega no presente e sabe de cor interiormente, sem cábulas, tudo o que te aconteceu porque tudo o que aconteceu fez sentido, e o sentido foi o que te trouxe até aqui, e aqui é perfeito para dar início a mais um momento áureo.
Pega no presente até ao infinito e perpetua o instante como o especial.
Pega no presente e torna-o tão único como a água e faz dele a pujança inequívoca de estar tão vivo como tudo o que é impressionante.
Pega no presente e pulsa o ritmo cadente de um músculo novo que nasce sem esforço porque se inventa como o vento e as marés.
Pega no presente e faz tudo de novo como se respirasses a coragem.
Pega no presente e acende-o como a luz faz ao escuro.
Pega no presente e mata o medo do teu vocabulário como se só tivesses cheta para um dicionário de bolso.
Pega no presente e faz dele o que virá. E do que foi soubeste ver tudo, gostaste de ver tudo, precisaste de ver tudo.
Pega no presente e sabe que o que se passou foi para te fazer e o que há-de vir há-de ser sempre já."

João Negreiros, O Presente, in "O Manual da Felicidade" (Presente do autor)


sábado, 12 de setembro de 2015

Erste Schritte



“Se iluminar toda a terra de memórias
 mais só eu ficarei. 
 Por isso muito tempo
 deixei de escrever ou de sequer pensar 
 no que escrevia. 
 A memória separa-nos da vida 
 como o vidro de um espelho”

Luís Filipe Castro Mendes, "Os Dias Inventados", Lisboa: Gótica, 2001, 17

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Vorabend 1



"Há horas grandiosas na vida. Olhamos para elas como para as figuras colossais do futuro e da Antiguidade, travamos uma luta magnífica com elas e, se sairmos vencedores, elas tornam-se nossas irmãs e não nos abandonam."

Friedrich Hölderin, Hipérion ou o Eremita da Grécia, Lisboa: Assírio & Alvim, 1997:104

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Traurig



   "Nem sempre sou igual no que digo e escrevo. 
     Mudo, mas não mudo muito.
     A cor das flores não é a mesma ao sol
     De que quando uma nuvem passa
     Ou quando entra a noite
     E as flores são cor da sombra.

     Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
     Por isso quando pareço não concordar comigo,
     Reparem bem para mim:
     Se estava virado para a direita,
     Voltei-me agora para a esquerda,
     Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés —
     O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
     E aos meus olhos e ouvidos atentos
     E à minha clara simplicidade de alma ..."

Obra Poética de Fernando Pessoa, Poemas de Alberto Caeiro, Lisboa: Publicações Europa-América, 1986, pp. 117-8

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Maske




      "Para o guerreiro, não existe amor impossível.
  Ele não se deixa intimidar pelo silêncio, pela indiferença, ou pela rejeição. Sabe que - atrás da máscara de gelo que as pessoas usam - existe um coração de fogo.
  Por isso, o guerreiro arrisca mais do que os outros. Busca, incessantemente, o amor de alguém - mesmo que isso signifique escutar muitas vezes a palavra «não», voltar para casa derrotado, sentir-se rejeitado no corpo e na alma.
   Um guerreiro não se deixa assustar quando busca o que precisa."


Paulo Coelho, Manual do guerreiro da Luz, Lisboa: Pergaminho, 2006, p. 72

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Einfach glauben!




"Na verdade, muitas vezes sois felizes sem o saberdes."

Kahlil Gibran,  O Profeta, Mem Martins: Livros de Vida Editores, 2003:85

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Gebet





   "Severino benzeu-se com uma expressão de horror no rosto.
    - Deus nos perdoe a todos! - disse.
    Não havia mais comentários a fazer."

Umberto Eco, O nome da Rosa, Difel: Carnaxide, 1996, p. 261

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Gott ist ein lautes Nichts, ihn rührt kein Nun noch Hier...



"Não me resta senão calar-me.

 (...) 

Está frio no scriptorium, dói-me o polegar. Deixo esta escritura, não sei para quem, já não se a propósito de quê: stat rosa pristina nomine, nomina nuda tenemus"

Umberto Eco, O nome da Rosa, Difel: Carnaxide, 1996, p.493

 

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Ein kleiner Lichtstrahl







"Sei que quanto mais amo menos devo conhecer. Não sei explicá-lo. Sei que a luz ao aproximar-se do meio-dia se faz tarde e anoitece."

Daniel Faria, O Livro do Joaquim, Quasi Edições: V. Nova de Famalicão, 2007, p. 68

Leise



Serás alma talvez, 
nem mais se espera da tua ofuscada luz... 
Mas, quando pintas assim o céu, 
meu coração parte para a eternidade da tua dor...

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Einfach nichts erwarten




"Porque aprendi a conhecer-te, vejo que agora me desprezas. Não o tivesse eu aprendido, e nem isso hoje me importava."

Daniel Faria, O Livro do Joaquim, Quasi Edições: V. Nova de Famalicão, 2007, p. 81