quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Ich werde dich nicht stören




"e fiquei sozinha, lentamente,
como só lentamente se deve
morrer de amor"

valter hugo mãe, contabilidade - poesia 1996-2010, Editora Objectiva, p. 204

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Lieber Freund 3




deixa-me perguntar se te
pareço tão assustada assim. Não
me sinto deslocada, talvez curiosa, mas
nem surpresa. algo em ti me puxa
sempre ao sentimento, mesmo antes de
te conhecer, lembras-te, uma propensão para
te tratar bem, cuidar, vulnerabilizar os meus
modos, recusar admitir que também eu sou
capaz de crueldades quotidianas e
impunes. queria conversar contigo
quando me correm mal estes amores ou, pior, a
nossa amizade

queria que soubesses que também eu
poderia parar de chorar
queria que soubesses que o faria
exclusivamente
para arruinar o meu coração, se fosse a
tua vontade e com isso te deixasse em
paz. faria qualquer coisa, ainda que
quisesse morrer a seguir, faria qualquer coisa que,
por um instante, te pusesse
a pensar em mim

valter hugo mãe, contabilidade - poesia 1996-2010, Editora Objectiva, pp. 39-40 (com alterações)

sábado, 19 de novembro de 2011

Lieber Freund 2




"É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens
e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos.


É mais fácil, também, debruçar os olhos nos oceanos
e assistir, lá no fundo, ao nascimento mudo das formas,
que desejar que apareças, criando com teu simples gesto
o sinal de uma eterna esperança.


Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas do mar,
nem tu.


Desenrolei de dentro do tempo a minha canção:
não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar."

Cecília Meireles, Antologia Poética, Lisboa: Relógio d'Água, 2002, p. 24

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Lieber Freund 1



"Recebi ontem a tua carta e foi com a alegria que calculas. No entanto, lastimei que não fosses mais amplo em pormenores sobre a tua ida ao Brasil, os teu projectos, etc. Eu, quando tenho projectos, sinto sempre necessidade de os comunicar aos meus amigos e estimaria que tu fosses assim. Tive também, ao ver o endereço que me dás, uma sensação de melancolia: somos todos nós que partimos, caminhantes ansiosos dum ideal áureo e enganador... são as nossas almas que se dispersam errantes, uma aqui, outra ali, os nossos corpos que se desenraízam e nadam à toa pela água, tempestuosa para uns, estagnada para outros, como para mim. É este boiar na água estagnada o mais doloroso. Mas enfim, não pensemos mais nestes lamentos. Eu cá vou vivendo, sempre a mesma, um pouco menos aborrecida, um pouco menos infeliz porque a cidade é maior, maior o movimento, logo mais entorpecedor o ambiente. Nada de importante ou de novo tenho para te contara. Apenas nesta carta faço votos pelas tuas prosperidades e te rogo, encarecidamente te rogo, que escrevas longamente logo que esta recebas  dando parte de tua vida, dos teus projectos. Notícias, em suma, da tua alma e do teu corpo.

Um grande abraço de alma."

In Cartas de Mário de Sá-Carneiro (leitura, selecção e notas de Arnaldo Saraiva), 1ª Ed., Limiar, 1977 (com alterações)

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Ich hätte es dir sagen sollen, aber ich bin zu bedrückt...



"Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios emudecem."

Octavio Paz, "Silêncio" in Liberdade sob Palavra (http://www.citador.pt/poemas/silencio-octavio-paz)

domingo, 13 de novembro de 2011

Über Briefe und andere Nachrichten...



"Nenhuma carta deve estar sem resposta mais de 5 dias, sendo nacional, ou 10 dias sendo estrangeira. Uma demora maior obriga legitimamente a apresentar uma desculpa, em geral falsa, e que, ao contrário do que em geral julgam os que pedem desculpa, é quase sempre tida por falsa, mesmo que seja verdadeira. Ou a carta não tem resposta, e não se lhe responde; ou tem resposta, e se lhe responde logo; ou não pode ter resposta logo, e então escreve-se dizendo isso. A fama de ser atencioso e cortês vale mais que uma estampilha. É uma publicidade barata."

Páginas de Pensamento Político. Vol II. Fernando Pessoa. (Introdução, organização e notas de António Quadros.) Mem Martins: Europa-América, 1986. - 156, in http://arquivopessoa.net/textos/2295

sábado, 12 de novembro de 2011

Durch leere Strassen...


"Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair. (...)

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.(...)"


Carlos Drummond de Andrade, "A um amigo ausente", in http://pensador.uol.com.br/poemas_de_carlos_drummond_de_andrade/

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Ich verlasse dich nicht...




"se não houver tempo, se
eu morrer e ele me quiser
falar, juro que o
ouvirei, digam-lhe que o
ouvirei, poderá acender-me
em segredo como uma luz
ansiosa ou convulsão de
estrelas ou girassóis olhando"


valter hugo mãe, contabilidade - poesia 1996-2010,Editora Objectiva, 2010, p. 197

Unbemerkt



"Se te queres matar, porque não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por actores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fim?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...
E de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...

A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é a coisa depois da qual nada acontece aos outros...

Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada...
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando a pena de teres morrido,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além...

Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...

Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste;
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
Se queres matar-te, mata-te...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?

Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?
Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?

Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem,
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?

És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjectividade objectiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?

Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente:
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te, sistema físico-químico
De células nocturnamente conscientes
Pela nocturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atómica das coisas,
Pelas paredes turbilhonantes
Do vácuo dinâmico do mundo..."


Álvaro de Campos, "Solidão", in http://multipessoa.net/labirinto


domingo, 6 de novembro de 2011

Ich - ein missgebildetes Wesen




"Adieu tristesse,
Bonjour tristesse.
Tu es inscrite dans les lignes du plafond.
Tu es inscrite dans les yeux que j’aime
Tu n’es pas tout à fait la misère,
Car les lèvres les plus pauvres te dénoncent
Par un sourire.


Bonjour tristesse.
Amour des corps aimables.
Puissance de l’amour
Dont l’amabilité surgit
Comme un monstre sans corps.
Tête désappointée.
Tristesse, beau visage."

Paul Éluard, in http://conhecimentodoinferno.wordpress.com/2010/07/18/paul-eluard-1895-1952-2/

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Der Schattentraum 1



"Si el sueño fuera (como dicen) una
tregua, un puro reposo de la mente,
¿por qué, si te despiertan bruscamente,
sientes que te han robado una fortuna?

¿Por qué es tan triste madrugar? La hora
nos despoja de un don inconcebible,
tan íntimo que sólo es traducible
en un sopor que la vigilia dora

de sueños, que bien pueden ser reflejos
truncos de los tesoros de la sombra,
de un orbe intemporal que no se nombra

y que el día deforma en sus espejos.
¿Quién serás esta noche en el oscuro
sueño, del otro lado de su muro?"

Jorge Luis Borges, Poesía completa, Barcelona: Ediciones Destino, 2009, p. 255.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Müdigkeit 1



Eu, eu mesma...
Cheia de todos os cansaços
Quantos o mundo pode dar.
Eu...
Afinal tudo, porque tudo é eu.
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...
Que crianças não sei...
Eu...
Imperfeita? Incógnita? Divina?
Não sei...
Eu...
Tive um passado? Sem dúvida...

Tenho um presente?  Sem dúvida...
Terei um futuro?  Sem dúvida...
A vida que pare de aqui a pouco...
Mas eu, eu...
Eu sou eu...
Eu fico eu...
Eu...


Obra Poética de Fernando Pessoa, Poemas de Álvaro de Campos, Lisboa: Publicações Europa-América, s. d., p.122 (com alterações)