"Quando moço, ele construira sobre o Bosque teorias complicadas e consideráveis. E sustentava, com os olhos rutilantes de fanático, que no Bosque a Cidade cada tarde ia retemperar salutarmente a sua força, recebendo, pela presença das suas Duquesas, das suas Cortesãs, dos seus Políticos, dos seus Financeiros, dos seus Generais, dos seus Académicos, dos seus Artistas, dos seus Clubistas, dos seus Judeus, a certeza consoladora de que todo o seu pessoal se mantinha em número, em vitalidade, em função, e que nenhum elemento da sua grandeza desaparecera ou deperecera. 'Ir ao Bois' constituía então para o meu Príncipe um acto de consciência. E voltava sempre confirmando com orgulho que a Cidade possuía todos os seus astros, garantindo a eternidade da sua luz!
Agora, porém, era sem fervor, arrastadamente, que ele me levava ao Bosque, onde eu, aproveitando a clemência de Abril, tentava enganar a minha saudade de arvoredos. (...) Mas logo que passávamos as grades douradas do Bosque, e penetrávamos na Avenida das Acácias, e enfiávamos na lenta fila dos trens de luxo e de praça, sob o silêncio decoroso, apenas cortado pelo tilintar dos freios e pelas rodas vagarosas esmagando a areia - o meu Príncipe emudecia, molemente engelhado no fundo ds almofadas, de onde só despegava a face para escancarar bocejos de fartura."
Eça de Queirós, A cidade e as serras, Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses, 1987, pp. 62-3