terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Eines Tages...



"Um dia acorda-se e o abismo é berço,
E o diabo mais do que um irmão.
Todo o desvio tem o seu preço."

Luíza Neto Jorge, Poesia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2001, p.248

sábado, 26 de janeiro de 2013

Für A.




"Wenn du fortziehen musst,
Freunde verlassen,
dann mag es sein,
dass tausend Kilometer
einander trennen.

Aber in Herzen
gibt es
keine Kilometer."

Kristiane Allert-Wybranietz, Lieber Güsse, Lucy Körner Verlag, 1982, s.14

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Ein weiteres totes Gesicht





"A existência mede-se em mortes, brancas e negras"

Vasco Gato, Imo, V.N. Famalicão: Quasi Edições, 2003, p. 31

sábado, 19 de janeiro de 2013

Du kommst nicht mehr



 
    "Calo-me.
    Reparei de repente que não estavas aqui. Pus-me a falar a falar. Coisas de mulher desabitada. Sei que um dia desviarei sem ti os passeios rectos esvaziarei os gordos manequins falantes. A razão é uma chapa de ferro ao rubro: se acredito na tua morte começo o suicídio."
 
Luíza Neto Jorge, Poesia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2001, p. 109

domingo, 13 de janeiro de 2013

Diese Bäume...



"Este amor sigiloso, marginal,
levanta-se desde o inacessível da noite
para se colar aos dedos.

Rodeio as figuras das árvores
debaixo do peso impreciso
da chuva. Tudo se acalma.
Creio subitamente que vou respirar
toda esta pureza.

Suspeito que estas árvores
se ligam aos invisíveis poderes
da memória: acenam com o vento,
frenéticas, como tocadas por perpétua
revelação. São elas mesmas,
profusamente.

E o amor circula entre as dúvidas,
fecundando o segredo do sono,
suscitando mortes.

São estes os lugares da tragédia:
a feroz intromissão na paz
alheia, o terror da própria
respiração. O que se levanta
esta noite é também magoado
pelas hélices do tempo.

Porque as feridas são repentinas
contra a beleza do gesto,
ardem.

É preciso crescer para lá dos gritos,
para lá da correnteza onde se misturam
as amargas insuperadas orfandades,
para lá do jogo cego - o dom
é toda uma história
de sacrifício e transcendência.

É preciso devolver a arma do crime
à sua vítima.

O poço nocturno avança sob
a insuspeita perfeição da terra.
Os frutos cessam, terminam para dentro.
É preciso devolver as pedras
ao movimento, deitar o mundo
como um sangramento
para o espaço que lhe escapa,
invadir a vaga existência
das coisas para dentro das coisas
erguer uma fina metáfora.

As árvores gemem com o prodígio sensível
dos relâmpagos e o amor sigilosamente
se comunica à impaciente duração
dos corpos, e eu penso de novo
respirar toda esta pureza,
esta pureza queimando os nós
que suscitam a secreta água
dos dedos.

Este amor deitado, nu,
silenciosamente
aqui."

Vasco Gato, Imo, V.N. Famalicão: Quasi Edições, 2003, pp. 55-57

sábado, 5 de janeiro de 2013

Freundschaft 2


 
 
 
 
"(...) não quero entrar no teu mundo nem mudar o meu rosto, quero ficar como saí do mar agora, os meus cabelos verdes, os meus olhos conchas, o meu corpo alga, as minhas mãos gaivotas, e se não me amares assim vai-te embora e deixa-me ficar, absurda e doida e contente de mim, deitada na rocha (...)"
 
Teolinda Gersão, O silêncio, Lisboa: Sextante Editora, 5ª edição, 2007, p. 47

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Fünf Jahre... und jetzt?




"e então ela levanta-se e caminha ao longo do corredor enfeitado com plantas verdes, toma o elevador e desce até ao piso da entrada, Afonso acaba de transpor a porta, atravessa rapidamente o átrio, sorri ao vê-la, vinha procurar-me, dizes, não, não vinha procurar-te, digo, e saio a porta, tomo o primeiro taxi, subo no elevador até ao último andar e entro em casa, afasto os cortinados e abro todas as janelas, tiro a mola de segurança da porta da cozinha e a grade que protege os discos do fogão, entro na sala e dobro o parque redondo, que arrumo depois num espaço, ao canto do armário, e agora tudo fica certo no dia calmo e límpido e claro, posso esperar tranquilamente o teu regresso antes de ir-me embora, posso esperar tranquilamente a tarde toda, o dia é liso e longo, e tudo o que eu tinha a fazer já foi feito."
 
Teolinda Gersão, O silêncio, Lisboa: Sextante Editora, 5ª edição, 2007, p. 119

Fünf Jahre 5

 

"mas ela queria a vivência, a qualquer preço, procurava uma visão desmedida das coisas, e por isso sofria, porque toda a consciência era dolorosa. Ir sempre mais além, como um animal caminhando obsinadamente pela areia, um pequeno animal cego avançando, recusando cada ponto de chegada para nunca parar de caminhar, era isso, (...) ele sabia, a ansiedade que a levava a recusar a sua vida, a vida possível, na pressa de procurar outra, mais alta mas inexistente, (...) ele sabia - a sua inteligência aguda atravessando a casa, o seu corpo afiado, magro, embatendo nas pessoas e nas coisas, magoando quem lhe tocava, incomodando com a sua temperatura demasiado alta, uma nota estridente, uma voz solta, que sempre de novo nega o seu contexto, era preciso pegar-lhe pelos ombros e prendê-la no real, ou ela acabaria por perder-se em confusos caminhos (...)"
 
Teolinda Gersão, O silêncio, Lisboa: Sextante Editora, 5ª edição,  2007, p. 82-3

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Ein neuer Tag, ein neues Jahr...




"Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.


E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças."



Miguel Torga, "Sísifo", in Antoogia Poética, Coimbra: Edição do Autor, 1994, p. 462.