segunda-feira, 29 de abril de 2013

Trauer 3





"(...) a tua sina não reza que tenhas de sofrer a Morte em Argos, fecunda em cavalos, pois os Deuses enviar-te-ão para os Campos Elísios, nos confins da terra, lá, onde vivia Radamanto. É um lugar onde a vida dos homens é grata. Não chove, nem neva, nem os invernos são compridos, mas sim um lugar para onde o Oceano envia, a todo o tempo, as doces brisas do Zéfiro para dar frescura aos homens. Esse será o teu destino (...)"
 
 
Homero, Odisseia, Ediclube Coleccináveis, 1997, p. 61

domingo, 28 de abril de 2013

Wie?



"Damos um passo em falso? Tropeçamos, perdemos o equilíbrio e caímos no passeio, esfolando o joelho, esfolando o coração? Embatemos contra o chão de pedra? Será um precipício , à beira do qual flutuamos, para sempre?
 
Cathleen Schine "A Carta de Amor", Lisboa: Editorial Presença, 1998, p. 229

terça-feira, 23 de abril de 2013

Gern geschehen!




"O mundo antigo, em particular o mundo greco-romano, não acreditava nos ideais abstractos, longínquos e irrealizáveis. Suspeitava dos fantasmas. Desconfiava dos excessos sentimentais. Por isso dava tanta importância à amizade. Porque, na amizade, a distância entre o ideal e o real deve ser breve. Na amizade não podemos proclamar uma coisa e fazer outra. Na amizade os pactos são respeitados, a lealdade merecida. A amizade deve ser leal, sincera, límpida. O amigo deve querer o bem do amigo, não por palavras, mas concretamente. Deve estar presente no momento da necessidade. Aquele que é beneficiado não se deve nem aproveitar nem aborrecer com as ingratidões. Na amizade não se pode enganar, não se pode fazer mal. Nem mesmo uma única vez. Na amizade é necessário saber ver a virtude do outro e dar-lhe valor. O amigo deve ser aberto, cheio de vida, divertido. Não deve aborrecer, não deve importunar. Um amigo não deve também ser demasiado generoso, encher de presentes, porque se o faz suscita a necessidade de retribuir, cria deveres de reconhecimento que são demasiado pesados. A amizade deve ser sempre fresca, ligeira, mesmo quando é heróica. A amizade diz sempre, mesmo perante a morte: «Não tem de quê.» Estes são os ideais da amizade. Não pede para dar tudo, beijar os leprosos, mentir em tribunal. Nem mesmo para viver sob o mesmo tecto. Mas o que pede exige-o. E, se não lhe é dado, julga e condena. Um vez condenado, bem dificilmente perdoa. Não pune, não ameaça, não exerce represálias, não se vinga. Simplesmente desaparece. Se o ideal não é realizado, a amizade morre."

Francesco Alberoni, "A Amizade", Venda Nova: Bertrand Editora, 1996, pp. 195-6

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Eine ewige Sekunde

 

   "Não há nada tão próximo da eternidade como um segundo. E foi num segundo, nesse átomo de tempo, que tudo aconteceu... (...)
   Um segundo que se intrometeu na eternidade como velha alcoviteira. São Pedro deu-se logo conta. Ela estava sentada, diáfana e pura como todas as outras almas, um tanto incomodada com aquela túnica asséptica e saudades do seu vestido de chita de florzinhas azuis.
   «Saudades?» franzia o cenho o guardião dos céus."
 
Fernando Campos, "O Inferno e o Paraíso" in Viagem ao Ponto de Fuga, Lisboa: Difel, 1999, p. 41

domingo, 14 de abril de 2013

Kleinigkeit


 
   "(...)Que fazer, meu Deus?
   (Presumo que Ele não se ofenda com a pergunta, adivinho-o mais próximo da vida real do que os burocratas cá de baixo, apostrofando o amor em Seu nome.)
   Não responde... Era previsível, por Graça ou por ausência Sua foi-nos concedida a liberdade. Que fazer?, ponto final e humano. Talvez pedir ao silêncio absoluto que regresse. E me invada, paralise e guarde, a meias com o meu sorriso."

Júlio Machado Vaz, "O Amor é...", Lisboa: Texto Editora, 2007, p. 44 

sábado, 6 de abril de 2013

Erklärung 1



"Não te falo, quando me sento só ou acordo só pela noite,
Espero, não duvido que voltarei a encontrar-te,
Não te posso perder."

Walt Whitman, Folhas de Erva, sel. e trad. de José Agostinho Baptista, Assírio e Alvim: Lisboa, 2003, p. 163 

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Diejenige...



"aqueles que têm nome e nos telefonam
um dia emagrecem - partem
deixam-nos dobrados ao abandono
no interior duma dor inútil muda
e voraz
 
arquivamos o amor no abismo do tempo
e para lá da pele negra do desgosto
pressentimos vivo
o passageiro ardente das areias - o viajante
que irradia um cheiro a violetas nocturnas
 
acendemos então uma labareda nos dedos
acordamos trémulos confusos - a mão queimada
junto ao coração
 
e mais nada se move na centrifugação
dos segundos - tudo nos falta
 
nem a vida nem o que dela resta nos consola
e a ausência fulgura na aurora das manhãs
e com o rosto ainda sujo de sono ouvimos
o rumor do corpo a encher-se de mágoa
 
assim guardamos as nuvens breves os gestos
os invernos o repouso a sonolência
o vento
arrastando para longe as imagens difusas
daqueles que amámos mas não voltaram
a telefonar"

Al Berto, O Medo, Lisboa: Assírio e Alvim, 1997, p. 592