"Eu mesma me surpreendo ao perceber quantas horas por ano tenho para gastar. Capacito-me de que na realidade tenho mais tempo do que penso - e isso significa que vivo mais do que imaginei. Isso se fizermos as contas das horas do dia, da semana, do mês, do ano. Quem fez o cálculo foi um inglês, não sei o seu nome.
Um ano tem 365 dias - ou seja, 8760 horas. Não é enganoso não, são oito mil setecentos e sessenta horas.
Deduzam-se oito hora por dia de sono. Agora deduzam-se cinco dias de trabalho por semana, a oito horas por dia, durante 49 semanas (descontando, digamos, o mínimo de duas semanas de férias, e mais uns sete dias de feriado). Deduza duas horas diárias empregadas em condução, para quem mora longe do local de trabalho.
Nessa base sobram-lhe 1930 horas por ano. Mil novecentas e trinta horas para se fazer o que se quiser ou puder. A vida é mais longa do que a fazemos. Cada instante conta."
Clarice Lispector, "Horas para gastar", in A Descoberta do Mundo - Crónicas, Lisboa: Relógio d' Água, 2013, pp. 626-7