"A vida tem várias faces que se abrem como portas.
Há portas por onde passamos facilmente, têm a nossa altura ou pouco mais; são pintadas de cores claras, têm um batente onde se carrega e donde sai uma música agradável a dizer: entra! És bem-vinda! O que se vê para além delas é legível e fácil. Aconchegado. Harmonioso.
Há outras que se abrem como as portas dos contos de fadas: em silêncio, sem ninguém lhes tocar, sem rostos nem vozes a darem as boas-vindas e fica-se à espera do milagre ou do dragão, ou do gigante que nos virão assustar.
Olhamos essas portas, ficamos cheios de curiosidade mas temos medo de entrar. Temos medo de descobrir e de entender o que se passa para lá delas, porque o que se passa para lá delas tira-nos a vontade de rir, as palavras claras, os gestos espontâneos: são portas que nos ensinam a dúvida. Deixamos de ser crianças e isso - ah! isso é que nunca!
Logo que alguém te vier com esse truque de dizer - cresce e aparece - tu some-te! Não queiras crescer! E desaparece! Para longe dessas portas de dúvida e silêncio com gente que não acredita em sonhos nem na Amizade. Foge dos devoradores de risos, dos que bebem sozinhos a água fresca das fontes, e não sabem compartilhar nem o pão, nem as lágrimas, nem a coragem.
Mas a vida ainda tem outras portas: portas fechadas. Portas que, por mais que se deseje entrar, permanecem frias, indiferentes ao nosso apelo. Andamos à volta dessas portas, levamos os braços carregados de flores e a boca cheia de sorrisos e palavras mansas; acariciamos os batentes, espreitamos pelo vidro fosco das janelas.
São portas que não se abrem.
Fica-se triste e cheio de lágrimas.
Nada os comove.
São portas fechadas, surdas, frias.
Muros. De pedra e cal."
Maria Rosa Colaço, Maria tonta como eu, Porto: Distri Editora, 1988, pp. 67-8