terça-feira, 30 de julho de 2013

Verlust 6


  
   "E Joana tinha muita pena de não saber brincar com os outros meninos. Só sabia estar sozinha.
    Mas um dia encontrou um amigo. Foi numa manhã de Outubro.
    Joana estava encarrapitada no muro. E passou pela rua um garoto. Estava todo vestido de remendos e os seus olhos brilhavam como duas estrelas. Caminhava devagar pela beira do passeio sorrindo às folhas do Outono. O coração de Joana deu um pulo na garganta.
   — Ah! — disse ela.
   E pensou:
   «Parece um amigo. E exactamente igual a um amigo.»
   E do alto do muro chamou-o:
   — Bom dia!
   O garoto voltou a cabeça, sorriu e respondeu:
   — Bom dia!
   Ficaram os dois um momento calados.
   Depois Joana perguntou:
   — Como é que te chamas?
   — Manuel — respondeu o garoto.
   — Eu chamo-me Joana.
   E de novo entre os dois, leve e aéreo, passou um silêncio. Ouviu-se tocar ao longe o sino de uma quinta.
   Até que o garoto disse:
   — O teu jardim é muito bonito.
   — É, vem ver.
   Joana desceu do muro e foi abrir o portão.
   E foram os dois pelo jardim fora."
Sophia de Mello Breyner Andresen, A Noite de Natal, Porto, Figueirinhas, 1989

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Echte Sehnsucht



"As pessoas não morrem, emigram (...)"

Afonso Cruz, Jesus Cristo bebia cerveja, Lisboa: Santillana Editores, 2013, p. 241

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Zeit




"O tempo é um bom bálsamo para fechar feridas, mas não desfez a cicatriz."


Josué Montello, Noite sobre Alcântara, Livros do Brasil: Lisboa, 1984, p. 260

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Onkelsgeburtstag! Zuspät!




"Quando voltar há-de saber que estou internado. Há-de vir ver-me!"


Al Berto, Diários, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p. 591

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Nichts besonderes!



    "Os desgostos de amor são horríveis. E, por serem horríveis, as pessoas dizem que fazem parte; que são o preço; que são um caminho; que dão força e fazem crescer. Tal é o medo de aceitar a totalidade da tragédia que são, que se chega ao ponto de ver os desgostos de amor como um rito de passagem não só para a humanidade como para o próprio amor – o que é muito mais grave. É sempre outrem que fala assim levemente, alguém que, se calhar, nunca teve um desgosto de amor digno do nome ou, se o teve, já o esqueceu e, ao esquecê-lo, provou que nunca amou, por muito desgostoso que tenha ficado. Porque também existe o desgosto de ser abandonado por alguém de quem nos habituámos a fugir, e de já não ser amado por quem nunca amámos. Mas isso é um simples desgosto que nada tem a ver com o amor.
    Já um desgosto de amor é um desgosto completo: uma desilusão e uma angústia; uma frustração de quase não existir, que começa por nós próprios, num incêndio de chuva que vai por aí afora até estragar o mundo inteiro, incluindo o que mais se queria proteger: a pessoa amada. Os abutres da consolação pretendem reclassificar os desgostos e ofender o amor e, distraídos pelo prazer necrófilo de cheirar, mesmo numa pessoa amada, a morte do amor alheio – tão secreta e infinitamente invejado! -, chegam a dizer as três palavras mais estúpidas, cruéis, inúteis e indignas daquelas circunstâncias: “Foi melhor assim.” Acrescentando, às vezes, mais duas: “Deixa lá.” Como se pudéssemos responder: “Boa ideia – vou deixar!” Os desgostos de amor estragam a alma. É preciso ter muito medo deles. Respeito. Cuidadinho. Tratar o amor nas palminhas. Mesmo antes de chegar a pessoa que se vai amar.
    É que os corações partidos ficam partidos. Deixam de poder amar. E, em vez de amar, tornam-se músculos leves e cínicos, trocistas e elegantes. Pode até ser muito giro ser assim. Mas está para o amor como o gosto duma pedra de sal está para o mar. E às vezes ainda é mais triste: é o próprio gosto pelo amor, como quem gosta de um prazer qualquer, que mata o amor – a possibilidade de amar – logo à nascença. Será este o único desgosto, por muito caladinho que seja, tão grande como um desgosto de amor."


Miguel Esteves Cardoso, in crónicas no jornal Expresso

domingo, 7 de julho de 2013

Ehrt



"Em Guimarães decorriam as conspirações, talvez não completamente votadas pelo fiel Egas Moniz, porque receoso de ver debatida a legitimidade do seu pupilo infante. Devia ser esta a carta com que jogava D. Teresa. Egas Moniz apressou-se a selar um pacto com Afonso VII, não por lealdade mas por prudência.
   Todavia, D. Afonso Henriques, na verdura mocidade e irado pela demora da sua nomeação como senhor do seu território, declarou guerra a D. Teresa, pouco interessado se o fazia ou não segundo as regras da cavalaria. D. Teresa devia estar fora das terras de Portugal e ele ocupava o castelo de Guimarães com os seus fiéis. A oportunidade era preciosa e ele lançou-se para S. Mamede, onde teve, primeiro, fraco sucesso. Foi ao ver que ele saía derrotado que Egas Moniz, mandando ao ar o seu juramento, o foi ajudar, obtendo a vitória.
    Não cabe, neste interregno entre a vinda de Afonso VII e a Batalha de S. Mamede, pouco mais do que um recontro de forças rivais, o episódio de Egas Moniz com a corda ao pescoço e a família descalça, para resgatar a sua palavra perante o rei Afonso VII."
 
Agustina Bessa-Luís, Fama e segredo na história de Portugal, Lisboa: Guerra e Paz Editores, 2010, pp. 37-8

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Die Fenster




"Nestas salas escuras, onde vou passando
dias pesados, para cá e para lá ando
à descoberta das janelas. - Uma janela
quando abrir será uma consolação. -
Mas as janelas não se descobrem, ou não hei-de conseguir
descobri-las. E é melhor talvez não as descobrir.
Talvez a luz seja uma nova subjugação.
Quem sabe que novas coisas nos mostrará ela."


Konstandinos Kavafis, Poemas e Prosa. Lisboa: Relógio d'Água, 1994, p. 83