segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Wünsch 2?

 
(Foto de M.J.M., 08/2004)

 
"O Einar pediu: amanhã, ainda cedo, sobes ao cabeço. Perguntei porquê. Porque sim. Vou lá encontrar-me contigo e fugimos daqui. Vais. Claro que fujo. Sobes ao cabeço e esperas por mim. Se houver baleias, conta-as. Eu disse que nunca eram muitas. Ele sorriu. Achei que o Einar estaria mais sossegado. Pus-lhe a mão no peito. Sacudi. Lembras-te. Dizias que me sacudias a terra do coração. Tenho de fazer o mesmo contigo. Estás um bocado morto. Ele anuiu. E eu sorri."
 
valter hugo mãe, A Desumanização, Porto: Porto Editora, 2013, p.229

domingo, 29 de setembro de 2013

Wünsch 1



"E eu lembrava-me, diante dos gatos de cristal, e pensava assim: amanhã, levantou-se uma montanha de cristal do esconso da charneca e voou. Deixou-nos sossegar. Amanhã uma montanha foi embora debaixo de nossos pés. E ficámos numa pedra segura. Outra vez quieta. Sem segredos. O Einar abraçou-me um pouco mais apertada. Eu não lhe dissera nada, não pedira nada. Ele começava a pressentir a minha tristeza, sozinho."
 
valter hugo mãe, A Desumanização, Porto: Porto Editora, 2013, p.160
 
 
 

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Träne...



"Quanta tristeza e amargura afoga
Em confusão a estreita vida! Quanto
        Infortúnio mesquinho
        Nos oprime supremo!
Feliz ou o bruto que nos verdes campos
Pasce, para si mesmo anónimo, e entra
        Na morte como em casa;
        Ou o sábio que, perdido
Na ciência, a fútil vida austera eleva
Além da nossa, como o fumo que ergue
        Braços que se desfazem
        A um céu inexistente."
 
Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994), p. 101.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Uhr




"Para um amigo tenho sempre um relógio
esquecido em qualquer fundo de algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol."



António Ramos Rosa, in "Viagem Através de uma Nebulosa" (http://www.citador.pt.)

domingo, 22 de setembro de 2013

Unterhaltung 1



"Quando falo, não entrego nada. Deixo mesmamente despido quem tem frio e não encho a barriga dos que têm fome. Quando falo, o que faço é perto de não fazer nada e, no entanto, cria-nos a sensação de fazer tanto. Como se falando pudéssemos fazer tudo. O que digo é só bom porque pode ser dito, mas não se põe de parede para a casa ou de barco para a fuga. Não podemos navegar numa palavra. Não podemos ir embora. Falar é ficar. Se falo, é porque ainda não fui. Ainda aqui estou. (...) Preciso de aprender a calar-me."

valter hugo mãe, A Desumanização, Porto: Porto Editora, 2013, p.53

sábado, 21 de setembro de 2013

Unmenschlich



"As palavras não são nada. Deviam ser eliminadas. Nada do que possamos dizer alude ao que o mundo é. Com trinta e duas letras num alfabeto não criamos mais do que objetos equivalente entre si, todos irmanados na sua ilusão. As letras da palavra cavalo não galopam, nem as do fogo bruxuleiam. E que importa como se diz cavalo ou fogo se não se autonomizam do abecedário. Nenhuma pedra se entende por caracteres. As pedras são entidades absolutamente autónomas às expressões. As pedras recusam a linguagem. Para a linguagem as pedras reclamam o direito de não existir. Se as nomeamos não estamos senão a enganarmo-nos voluntariamente. As pedras nunca enganaremos. Elas sabem que existem por outros motivos e talvez suspeitem que o nosso desejo de falar seja só um modo menos desenvolvido de encarar a evidência de existir."
 
valter hugo mãe, A Desumanização, Porto: Porto Editora, 2013, p. 46 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Traurig...



"A Dor - tem um Elemento de Vazio -
Não se consegue lembrar
De quando começou - ou se houve
Um tempo em que não existiu -

Não tem Futuro - para lá de si própria-
O seu Infinito contém
O seu Passado - iluminado para aperceber
Novas Épocas - de Dor."

Emily Dickinson, Poemas e Cartas, Edições Cotovia, 2000, p. 79

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Geburtstagswünsche


 
"Oh me! Oh life! of the questions of these recurring,
Of the endless trains of the faithless, of cities fill’d with the foolish,
Of myself forever reproaching myself, (for who more foolish than I, and who more faithless?)
Of eyes that vainly crave the light, of the objects mean, of the struggle ever renew’d,
Of the poor results of all, of the plodding and sordid crowds I see around me,
Of the empty and useless years of the rest, with the rest me intertwined,
The question, O me! so sad, recurring—What good amid these, O me, O life?
 
                                       Answer.

That you are here—that life exists and identity,
That the powerful play goes on, and you may contribute a verse."
 
                                                                          Walt Whitman, in http://www.poetryfoundation.org/poem/182088
 

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Mitteilung



"Queria dizer-te uma coisa simples: a tua
ausência dói-me."


Nuno Júdice, Ausência, in Pedro Lembrando Inês, Lisboa: Publicações D. Quixote, 2001, p. 18

Einsam...



"Um mar rodeia o mundo de quem está só. É
o mar sem ondas do fim do mundo. A sua água
é negra; o seu horizonte não existe. Desenho
os contornos desse mar com um lápis de
névoa. Apago, sobre a sua superfície, todos
os pássaros. Vejo-os abrigarem-se da borracha
nas grutas do litoral: as aves assustadas da
solidão. «É um mundo impenetrável», diz
quem está só. Senta-se na margem, olhando
o seu caso. Nada mais existe para além dele, até
esse branco amanhecer que o obriga a lembrar-se
que está vivo. Então, espera que a maré suba,
nesse mar sem marés, para tomar uma decisão."

Nuno Júdice, Solidão, in Pedro Lembrando Inês, Lisboa: Publicações D. Quixote, 2001, p. 21

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Versuch




"eu sabia bem o que isso era. o que era ultrapassarmos as dores até que os dias, só por si, nos começassem a parecer valiosos o suficiente. até chegarmos a um momento em que a luz do sol nos parece uma dádiva inestimável e vale a pena viver apenas para fazermos a fotossíntese das tardes, melhor ainda com uma conversa despreocupada com os colegas."
 
valter hugo mãe, a máquina de fazer espanhóis , Editora Objectiva, 2013, p.170

Verachtet 1



"bastava-me isso, que um dia genuinamente se arrependessem e mudassem de conduta para que fosse possível acreditarem uns nos outros também. mais do que isso, sinto apenas angústia."

valter hugo mãe, a máquina de fazer espanhóis , Editora Objectiva, 2013, p. 287 

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Nimmermehr




"Na noite em que o aguardava, ficou desperta até aos primeiros alvores da manhã. Apertou-se-lhe o coração, apreensiva, mas desculpou-o. Nas noites seguintes esperou-o em vão."
 
 
Henrique de Senna Fernandes, "A-Chan, a Tancareira", in Nam Van - Contos de Macau, Instituto Cultural de Macau, 1997, p. 15 

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Freunde?




"Existem amizades teimosas, que estão constantemente a ser reatadas, apesar de todas as atribulações a que foram sujeitas. Há feitios que não se suportam e, apesar disso, as amizades perduram."


Afonso Cruz, Jesus Cristo bebia cerveja, Lisboa: Santillana Editores, 2012, p. 179