"Carregou consigo o corpo doente, um ferido incómodo, durante os dias. A leveza fora substituída por miséria e cansaço. Saciada - um animal que matara sua sede inundando seu corpo de água. Mas ansiosa e infeliz como se apesar de tudo restassem terras ainda não molhadas, áridas e sedentas. Sofreu sobretudo de incompreensão, sozinha, atónita. Até que encostando a testa, no vidro da janela - rua quieta, a tarde caindo, o mundo lá fora -, sentiu o rosto molhado. Chorou livremente, como se esta fosse a solução. As lágrimas corriam grossas, sem que ela contraísse um só músculo da face. Chorou tanto que não soube contar. Sentiu-se depois como se tivesse voltado às suas verdadeiras proporções, miúda, murcha, humilde. Serenamente vazia."
Clarice Lispector, Perto do Coração Selvagem, Lisboa: Relógio D' Água, 2000, p. 97