sábado, 22 de fevereiro de 2014

Für M.



"Todos os pequenos acontecimentos são importantes. Todos os telefonemas adquirem uma dimensão inesperada. As palavras, por instantes, parecem corresponder a um qualquer peso inesperado da verdade ou de verdade... Há uma atenção redobrada a tudo o que se transforma à nossa volta, mesmo que imperceptivelmente."



Al Berto, Diários, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, pp. 505

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Schmerz



"A vida é sacana - não é, sobretudo, aquilo que nos ensinaram e disseram que era. Um dia, quando nos sentimos morrer, veremos como é disparatado saber que tudo vai acabar. Precisamente quando tínhamos descoberto uma qualquer felicidade, ou alguém com quem poderíamos, enfim, falar. Passamos a vida numa espécie de silêncio, mudez terrível que se quebra, somente de quando em quando, diante da beleza de certas coisas que nos disseram. Mas o homem é silencioso, e muito pouco coisa bela me é dirigida. Mas procura-a a vida inteira e ao morrer tem sempre a impressão que a encontrou. É tarde. O medo, o grande medo que se confunde à serenidade, devora-o. E não pode voltar atrás."


Al Berto, Diários, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p. 324

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Träne


(Foto de M. J. C. M., 2009)


"Às vezes, amizades longas, pensativas sem que entrem na luz da consciência, acabam quase subitamente. Até a lembrança delas se desvanece e quase não deixa vestígios. Tiveram o seu lado guerreiro e a sua qualidade imortal. Entrava-se numa distracção (que é uma forma de orgulho) e que favorecia a distância e o esquecimento. Assim aconteceu com Genaro e José Rui. Aquela aura de entendimento que alcançava a roda dos amigos e o laço da família, perdeu-se."

"As longas conversas com Genaro tinham-lhe feito falta (...) Mas ainda tinha o impulso para o chamar ao telefone e perguntar-lhe o que se lhe oferecia dizer sobre o crime em Moscovo, nos princípios de Julho, 'com um tempo sumamente caloroso'. (...) Sentiu pena por não poder reviver os antigos sentimentos, o amor que nasce com a primeira palavra."

Agustina Bessa-Luís. Antes do Degelo. Lisboa: Guimarães Editores, 2004, pp. 319 e 365

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Geständnis



"Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
Ou flecha de cravos que propagam o fogo:
Te amo como se amam certas coisas obscuras,
Secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
Dentro de si, oculta, a luz daquelas flores.
E graças a teu amor, vive oculto em meu corpo
O apertado aroma que ascende da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
Te amo directamente sem problemas nem orgulho:
Assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

Senão assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre o meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho."

Pablo Neruda, "Dança" in http://pt.wikipedia.org/wiki/Cem_Sonetos_de_Amor

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Vorabend



"Houvesse um sinal a conduzir-nos
E unicamente ao movimento de crescer nos guiasse. Termos das árvores
A incomparável paciência de procurar o alto
A verde bondade de permanecer
E orientar os pássaros"

                                                                         Daniel Faria, Poesia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p. 44

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Wenn nun...


"Quero que saibas
uma coisa.

Sabes como é:
se olho 
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.

Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.

Se de súbito 
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido."

Pablo Neruda, Se me esqueceres, in www.citador.pt