quinta-feira, 23 de abril de 2015
Schritte
"Parece-me que é tarde para acertar as coisas
que deviam ter sido feitas: ajustar as peças do presente nessa mesa
onde se acumulavam copos e papéis; separar as questões que
os dedos escondiam das respostas que entravam pela boca
do desejo, até um êxtase de mãos e de olhos. Contei as queixas,
transformei-as na mais doce das celebrações, arrastei
o instante até à berma da eternidade: e trouxe de volta
a mais dolorosa das ilusões. De cada vez, porém, era
único esse tempo nascido de uma partilha de lugares; e
não dei pelo vento que soprava de dentro da vida, levando
em direcções diferentes os passos que nos juntavam."
Nuno Júdice, Carta de Orfeu a Eurídice in Pedro Lembrando Inês, Lisboa: Publicações D. Quixote, 2001, p. 47
quarta-feira, 22 de abril de 2015
Es wird schon wieder gut!
"durmo mal. sempre foi assim. durmo com a impressão terrível de estar a perder tempo. os dias fogem-me, e com eles as coisas que eu julgava serem perenes é breve, demasiado breve, e demasiado longa, esta passagem. Amo com todas as forças aquilo que se prepara para morrer."
Al Berto, Diários, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p. 358
sábado, 18 de abril de 2015
Wie spät ist es, Taufpatin?
"Estou só, é uma tarde de calor. Então lembrei-me de outrora, ouvia-se ao menos o pêndulo do relógio. Olho a parede no meio da sala, por cima do aparador, está lá ainda o relógio. Tem um mostrador redondo que se alarga para baixo até à caixa do pêndulo.(...) Está parado nas três e meia- Devem ser horas da noite, que é quando o tempo se suspende. O silêncio em toda a casa. O silêncio dentro de mim."
Vergílio Ferreira, para sempre, Lisboa: Bertrand Editora, 2001 , p. 109
terça-feira, 14 de abril de 2015
Gebet 2
"Socorre-me, devolve-me a leveza
Da tão primeira nuvem que avistares."
Daniel Faria, Poesia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012, p. 82
Alles war umsonst!
"Porque os corações humanos também têm as suas noites, cheios de emoções tão selvagens, como os impulsos da caça que assaltam o coração do veado ou do lobo. O sonho, o desejo, a vaidade, o egoísmo, a ira lasciva do macho, a inveja, a vingança, essas paixões ocultam-se de tal modo na noite da alma humana, como o puma, o abutre e o chacal no deserto da noite do Oriente. Existem momentos em que já não é noite e ainda não é dia no coração humano, quando as feras saem dos esconderijos sombrios da alma, quando estremece no nosso coração e se transforma em movimento na nossa mão uma paixão que formámos e domesticámos em vão durante anos, às vezes, durante muito tempo... E foi tudo em vão (...)."
Sándor Márai, As velas ardem até ao fim, Alfragide: Publicações D. Quixote, 2001 , p. 98
domingo, 12 de abril de 2015
Gedächtnis
"Agora que ultrapassara a primeira surpresa, sentia-se de repente cansado. Uma pessoa prepara-se para alguma coisa durante a vida inteira. Primeiro, sente-se ofendido. Depois quer vingança. A seguir, fica à espera. Há muito que não aguardava. Já não sabia até que ponto o ressentimento e o desejo de vingança se haviam transformado em espera. Tudo perdura no tempo, mas torna-se tão pálido como aquelas fotografias muito antigas que ainda foram fixadas em chapas metálicas. A luz e o tempo retiram das chapas as tonalidades nítidas e características dos traços. É preciso rodar a fotografia e encontrar uma certa refracção da luz para podermos reconhecer na obscura chapa metálica a pessoa cujas feições foram absorvidas pela placa. Deste modo se desvanecem no tempo todas as lembranças humanas. Mas um dia a luz cai dum lado qualquer e tornamos a ver um rosto."
Sándor Márai, As velas ardem até ao fim, Alfragide: Publicações D. Quixote, 2001 , p.17
segunda-feira, 6 de abril de 2015
Nichts...
"Não tive ainda notícias. Pensei em escrever eu, mas desisti: seria destoante. Aguardemos."
Vergílio Ferreira, Diário Inédito, Lisboa: Bertrand Editora, 2008 , p.52
sábado, 4 de abril de 2015
quinta-feira, 2 de abril de 2015
Entmutigung
"Agora vou a tempo, amanhã é demasiado tarde... De tudo trago apenas isto: sensações... traços... uma linha confusa... cinza por identificar..."
José Tolentino Mendonça, O Estado do Bosque, Lisboa: Assírio & Alvim,2013, p. 11
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