"O seu movimento parado é uma ilusão, pois as árvores são extraordinárias viajantes que se deslocam através de distâncias incalculáveis. (...) E se estão ao pé de nós, sabemos também que estão sempre a partir. São fluídas. Mudam, de casca e de casa. Morrem. Migram da noite para o dia.
Aprendemos a contar por elas as estações do ano e as da nossa vida. Há as árvores da infância. As do nosso bairro, anos mais tarde. Há uma árvore que avistamos de relance em situações que depois não esquecemos mais. Lembro-me de ter visto o poeta Mário de Cesariny abraçar uma árvore como quem abraça um amigo. Foi uma coisa tão grande! - ficamos a vê-lo, encolhidos e calados que nem ratos."
José Tolentino Mendonça, As cidades anónimas in "O Hipopótamo de Deus e outros Textos", Lisboa: Assírio & Alvim, 2010: 77-8