terça-feira, 28 de agosto de 2012

Warum wirst du nicht müde, mein Herz?


"Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
    As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer aguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.
     É preciso aceitar esta mágoa, esta moinha, que nos despedaça o coração e que ns mói memo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si, isto é, se os livrássemos d carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.
     Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecçao. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.
     Dizem-nos para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.
     O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copo, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar."
 
 
Miguel Esteves Cardoso
 

Unter Schmerzen



"Lutar com as palavras, progredir
pelo interior desta guerra até chegar
à palavra única da perda, esmagá-la
contra mim, obrigar-me a dizer
o seu corpo dizimado. O caos. Os cacos."

"Tudo isto é o sinal de uma perda.
Que fazer com todos estes sinais senão remetê-los como fantasmas para o corpo que abandonaram, que me abandonou?"

Rui Nunes, O choro é um lugar incerto,Relógio d'Água:Lisboa, 2005, pp. 51, 85

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Aus Liebe...



"Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.

Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém – mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?

Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.

São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.

Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua."


Eugénio de Andrade, "O Sal da Língua" in Poesia, 2ª ed., Porto, Fundação Eugénio de Andrade, 2005

domingo, 5 de agosto de 2012

Ein schrecklicher Monat



"Quando imaginava,
logo aparecia
a solidão brevemente pousada à beira dos meus lábios.
E, se eu falava,
ela sorria."

Jorge de Sena, Poesia I, Lisboa: Edições 70, 1988, p. 212