"Não te esqueças de mim. Vou sentir a tua falta. Tanto. (...) Com certeza que sempre te amarei, mesmo se não nos virmos nunca mais. (...)
Se soubesses (que nunca soubeste) como te amei. (...) Apaixonada por ti, passava dias a pensar se vier, se não vier. E uma palavra tua: mais que um sol inteiro. (...)
E não me atrevo, como nunca me atrevi, a dizer nada, a falar o espaço mais minúsculo. Adivinhaste alguma vez? (...) Adivinhaste alguma vez as coisas que não disse? (...) Alguma vez o meu olhar me traiu junto de ti? Alguma vez me viste, como eu agora me recordo, como janela de encontro ao teu olhar, às mãos, e ao cabelo? (...)
Coisas que te detesto, pequenos sobressaltos de ti de que não gosto. Mas sobre esses desagrados, há uma ternura que me fascina ainda. Fascinou-me há anos. (...)
Por que te permiti que entrasses, porquê um telefonema, porquê continuar em folhas (tantas) uma amizade que eu só queria amizade, mesmo querendo amor? Desejava tanto só amizade. Ser capaz de te amar só assim. Sem este tremer de vela que eu não sei apagar. Não sei. Não sou capaz. E nunca to direi, nunca a coragem de uma confissão. Sei só que a distância há-de conseguir colocá-lo novamente em bom porto, como um navio de guerra depois da batalha, agora inútil, o navio. (...) eu: não posso refazer o que não houve, (...) antes uma amizade, antes a tua voz de vez em quando, uma palavra tua para um sol inteiro,
só a distância
(...) estiveste sempre até eu te afastar, de tanta dor. A distância, a alargar-se, ajudou-me a recuar-te no coração. (...) Mas a vela a tremer estava lá de cada vez que eu te revia."
Ana Luísa Amaral, "Epílogo" e "Coisas de rasgar" in Ara, Porto: Sextante Editora, pp. 59-60; 65-67