quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Es gibt solche Tage...



   "Há dias em que até o cronista mais cínico se reconcilia com o mundo. O mundo é o mesmo, as pessoas são as mesmas, a existência não deixou de ser a tragédia absurda de sempre. Porém, de súbito, no meio do Inverno, o Sol rompe gloriosamente entre as ramagens descarnadas das árvores, o céu é alto e limpo, a luz quase magoa, de tão branca, e então, insensatamente, tudo, mundo e existência, parece fazer sentido.
   Talvez, quem sabe?, o coração precise de um pretexto para repousar por um momento da desesperança e os olhos para se abrirem para o calor das coisas e para a alegria. Mas em dias assim dir-se-ia que tudo se conjuga numa imensa conspiração contra o cepticismo. Um amigo longínquo telefona, o correio traz uma notícia ansiosamente aguardada e, na rua, à nossa volta, as pessoas são amigáveis, ninguém parece ter pressa nem ninguém parece, como nos outros dias, zangado consigo mesmo e com a vida."

Manuel António Pina, "Um raio de sol de inverno", in Crónica, saudade da literatura, Lisboa: Assírio & Alvim, 2013, p. 264

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