sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Das wirst DU nie sehen!






"há olhos que não vêem o voo, mas a sua queda, entre pedrisco; há olhos que não vêem o corpo no seu auge, mas a longa cicatriz; há olhos que não vêem o texto, mas a palavra, uma só, que cega todas as outras; há olhos que não vêem Deus, mas o seu teatro, os sinais da sua passagem ou da sua ausência; há olhos que constroem os sinais da passagem de um deus para conseguir parar. (...) Há este olhar que aflora as coisas, as faz crescer até ao insuportável, e lhes dá a dignidade do rudimento; que abre os lábios a uma só palavra e entra nos seus meandros para a esquecer; que torna cada coisa um vestígio e se apaga ao ir de uma coisa a outra; e neste percurso expõe a mortalidade; há um olhar que não vê nexos mas acumulação (...).

A mão abre a luz ao gesto, ilumina o silêncio de outra mão (...)"


Rui Nunes, O Choro é um Lugar Incerto, Lisboa: Relógio D'Água, 2005, p. 31

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Ein Wunsch, sonst nichts!




"How far is it?
It is so small
The place I am getting to, why are there these obstacles"


Sylvia Plath, Ariel, Lisboa: Relógio D'Água, 1996, p. 83.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Weil ich dich vermisse...



"Estás todo em ti, mar, e, todavia,
como sem ti estás, que solitário,
que distante, sempre, de ti mesmo!

Aberto em mil feridas, cada instante,
qual minha fronte,
tuas ondas, como os meus pensamentos,
vão e vêm, vão e vêm,
beijando-se, afastando-se,
num eterno conhecer-se,
mar, e desconhecer-se.

És tu e não o sabes,
pulsa-te o coração e não o sente...
Que plenitude de solidão, mar solitário!"


Juan Ramón Jiménez, Solidão in "Diario de Un Poeta Reciencasado", extraído de http://www.citador.pt/

domingo, 25 de dezembro de 2011

sábado, 24 de dezembro de 2011

Weihnachten



"Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.


Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente."

domingo, 18 de dezembro de 2011

Morgen ist es zu spät!



"Depois da morte de Spurius não tenho pensado em nada. Esta manhã, lembrei-me de uma coisa que me disse antes de entrar na agonia e que me comoveu:
- Não há outra vida. Nunca mais nos veremos.
As lágrimas corriam-nos pela cara. Apertámos as mãos."

Pascal Quignard, As Tábuas de Buxo de Apronenia Avitia , Lisboa: Livros Cotovia, 1999, p. 83

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Ein paar Minuten deiner Zeit



"Antes que as nossas vidas se dividam para sempre,
Enquanto o tempo está connosco e as nossas mãos são livres
(O tempo rápido a prender e rápido a separar
A mão da mão quando junto do mar nos encontramos),
Não direi mais do que alguém poderia dizer,
Alguém cujo amor de uma vida declina num dia,
Pois este nunca poderia ter existido; e nunca
Existirá, apesar de os deuses e os anos se compadecerem"


A. C. Swinburne, Poemas, Relógio D' Água, 2005, p. 69

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

sábado, 10 de dezembro de 2011

Gestern...




há um lugar muito distante na minha memória onde nos encontrámos. seguíamos incautos e cruzávamos por entre os passos e regressávamos a casa. um dia os passos foram palavra e voaram. eram passos largos e marcavam os espaços. passos simples, passos soltos. passos que conheciam os dias e as noites. e eu reparava e ficava feliz e tinha brilho o silêncio que faziam. depois cresceram e eram já todo o silêncio. muito tempo os vi no parque, sobre a relva, ou na água que chega do mar. durante a noite acordava e observava-os em silêncio. via cada pegada que deixavam e alegrava-me. havia promessas nos passos errantes e densos. e esperava ansiosa que a palavra voltasse. por fim, recolhi-me nos lençóis onde, já habituada, me trespassa o silêncio dos teus passos. e sempre neste silêncio partilho contigo o dia de ontem.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Ein Wort...



     "É tão despovoado. Tenta-se em vão trabalhar para não ouvi-lo, pensar depressa para disfarçá-lo. Ou inventar um programa, frágil ponto que mal nos liga ao subitamente improvável dia de amanhã. Como ultrapassar essa paz que nos espreita. Silêncio tão grande que o desespero tem pudor. Montanhas tão altas que o desespero tem pudor. Os ouvidos se afiam, a cabeça se inclina, o corpo todo escuta: nenhum pudor. Nenhum galo. Como estar ao alcance dessa profunda meditação do silêncio. Desse silêncio sem lembrança de palavras. Se és morte, como te alcançar.
       É um silêncio que não dorme: é insone: imóvel mas inson; e sem fantasmas. É terrível - sem nenhum fantasma. Inútil querer povoá-lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo, de uma cortina que se abra e diga alguma coisa. Ele é vazio e sem promessa. Se ao menos houvesse o vento. Vento é ira, ira é a vida. Ou neve. Que é muda mas deixa rasto - tudo embranquece, as crianças riem, os passos rangem e marcam. Há uma continuidade que é a vida. Mas este silêncio não deixa provas. Não se pode falar do silêncio como se fala da neve. Não se pode dizer a ninguém como se diria da neve: sentiu o silêncio desta noite? Quem ouviu não diz."

 Clarice Lispector, "Silêncio", in Onde estiveste de noite, Lisboa: Relógio D' Água, s. d. , p. 75

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Wohin?



"Um dia. Um dia como mil anos. Mil anos como um dia. Como o saberiam os antigos? Esses pequeninos pedaços de matéria à solta obrigam-nos a lidar com mais cuidado com os pequeninos pedaços de tempo. Meu Deus, como estou cansada, ouvi-me dizer a mim própria. Tenho de me deitar um bocado. (...) Agora quero dormir."



Christa Wolf, Acidente, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1990, pp. 53-54

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Ich werde dich nicht stören




"e fiquei sozinha, lentamente,
como só lentamente se deve
morrer de amor"

valter hugo mãe, contabilidade - poesia 1996-2010, Editora Objectiva, p. 204

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Lieber Freund 3




deixa-me perguntar se te
pareço tão assustada assim. Não
me sinto deslocada, talvez curiosa, mas
nem surpresa. algo em ti me puxa
sempre ao sentimento, mesmo antes de
te conhecer, lembras-te, uma propensão para
te tratar bem, cuidar, vulnerabilizar os meus
modos, recusar admitir que também eu sou
capaz de crueldades quotidianas e
impunes. queria conversar contigo
quando me correm mal estes amores ou, pior, a
nossa amizade

queria que soubesses que também eu
poderia parar de chorar
queria que soubesses que o faria
exclusivamente
para arruinar o meu coração, se fosse a
tua vontade e com isso te deixasse em
paz. faria qualquer coisa, ainda que
quisesse morrer a seguir, faria qualquer coisa que,
por um instante, te pusesse
a pensar em mim

valter hugo mãe, contabilidade - poesia 1996-2010, Editora Objectiva, pp. 39-40 (com alterações)

sábado, 19 de novembro de 2011

Lieber Freund 2




"É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens
e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos.


É mais fácil, também, debruçar os olhos nos oceanos
e assistir, lá no fundo, ao nascimento mudo das formas,
que desejar que apareças, criando com teu simples gesto
o sinal de uma eterna esperança.


Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas do mar,
nem tu.


Desenrolei de dentro do tempo a minha canção:
não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar."

Cecília Meireles, Antologia Poética, Lisboa: Relógio d'Água, 2002, p. 24

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Lieber Freund 1



"Recebi ontem a tua carta e foi com a alegria que calculas. No entanto, lastimei que não fosses mais amplo em pormenores sobre a tua ida ao Brasil, os teu projectos, etc. Eu, quando tenho projectos, sinto sempre necessidade de os comunicar aos meus amigos e estimaria que tu fosses assim. Tive também, ao ver o endereço que me dás, uma sensação de melancolia: somos todos nós que partimos, caminhantes ansiosos dum ideal áureo e enganador... são as nossas almas que se dispersam errantes, uma aqui, outra ali, os nossos corpos que se desenraízam e nadam à toa pela água, tempestuosa para uns, estagnada para outros, como para mim. É este boiar na água estagnada o mais doloroso. Mas enfim, não pensemos mais nestes lamentos. Eu cá vou vivendo, sempre a mesma, um pouco menos aborrecida, um pouco menos infeliz porque a cidade é maior, maior o movimento, logo mais entorpecedor o ambiente. Nada de importante ou de novo tenho para te contara. Apenas nesta carta faço votos pelas tuas prosperidades e te rogo, encarecidamente te rogo, que escrevas longamente logo que esta recebas  dando parte de tua vida, dos teus projectos. Notícias, em suma, da tua alma e do teu corpo.

Um grande abraço de alma."

In Cartas de Mário de Sá-Carneiro (leitura, selecção e notas de Arnaldo Saraiva), 1ª Ed., Limiar, 1977 (com alterações)

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Ich hätte es dir sagen sollen, aber ich bin zu bedrückt...



"Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios emudecem."

Octavio Paz, "Silêncio" in Liberdade sob Palavra (http://www.citador.pt/poemas/silencio-octavio-paz)

domingo, 13 de novembro de 2011

Über Briefe und andere Nachrichten...



"Nenhuma carta deve estar sem resposta mais de 5 dias, sendo nacional, ou 10 dias sendo estrangeira. Uma demora maior obriga legitimamente a apresentar uma desculpa, em geral falsa, e que, ao contrário do que em geral julgam os que pedem desculpa, é quase sempre tida por falsa, mesmo que seja verdadeira. Ou a carta não tem resposta, e não se lhe responde; ou tem resposta, e se lhe responde logo; ou não pode ter resposta logo, e então escreve-se dizendo isso. A fama de ser atencioso e cortês vale mais que uma estampilha. É uma publicidade barata."

Páginas de Pensamento Político. Vol II. Fernando Pessoa. (Introdução, organização e notas de António Quadros.) Mem Martins: Europa-América, 1986. - 156, in http://arquivopessoa.net/textos/2295

sábado, 12 de novembro de 2011

Durch leere Strassen...


"Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair. (...)

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.(...)"


Carlos Drummond de Andrade, "A um amigo ausente", in http://pensador.uol.com.br/poemas_de_carlos_drummond_de_andrade/

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Ich verlasse dich nicht...




"se não houver tempo, se
eu morrer e ele me quiser
falar, juro que o
ouvirei, digam-lhe que o
ouvirei, poderá acender-me
em segredo como uma luz
ansiosa ou convulsão de
estrelas ou girassóis olhando"


valter hugo mãe, contabilidade - poesia 1996-2010,Editora Objectiva, 2010, p. 197

Unbemerkt



"Se te queres matar, porque não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por actores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fim?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...
E de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...

A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é a coisa depois da qual nada acontece aos outros...

Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada...
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando a pena de teres morrido,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além...

Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...

Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste;
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
Se queres matar-te, mata-te...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?

Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?
Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?

Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem,
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?

És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjectividade objectiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?

Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente:
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te, sistema físico-químico
De células nocturnamente conscientes
Pela nocturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atómica das coisas,
Pelas paredes turbilhonantes
Do vácuo dinâmico do mundo..."


Álvaro de Campos, "Solidão", in http://multipessoa.net/labirinto


domingo, 6 de novembro de 2011

Ich - ein missgebildetes Wesen




"Adieu tristesse,
Bonjour tristesse.
Tu es inscrite dans les lignes du plafond.
Tu es inscrite dans les yeux que j’aime
Tu n’es pas tout à fait la misère,
Car les lèvres les plus pauvres te dénoncent
Par un sourire.


Bonjour tristesse.
Amour des corps aimables.
Puissance de l’amour
Dont l’amabilité surgit
Comme un monstre sans corps.
Tête désappointée.
Tristesse, beau visage."

Paul Éluard, in http://conhecimentodoinferno.wordpress.com/2010/07/18/paul-eluard-1895-1952-2/

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Der Schattentraum 1



"Si el sueño fuera (como dicen) una
tregua, un puro reposo de la mente,
¿por qué, si te despiertan bruscamente,
sientes que te han robado una fortuna?

¿Por qué es tan triste madrugar? La hora
nos despoja de un don inconcebible,
tan íntimo que sólo es traducible
en un sopor que la vigilia dora

de sueños, que bien pueden ser reflejos
truncos de los tesoros de la sombra,
de un orbe intemporal que no se nombra

y que el día deforma en sus espejos.
¿Quién serás esta noche en el oscuro
sueño, del otro lado de su muro?"

Jorge Luis Borges, Poesía completa, Barcelona: Ediciones Destino, 2009, p. 255.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Müdigkeit 1



Eu, eu mesma...
Cheia de todos os cansaços
Quantos o mundo pode dar.
Eu...
Afinal tudo, porque tudo é eu.
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...
Que crianças não sei...
Eu...
Imperfeita? Incógnita? Divina?
Não sei...
Eu...
Tive um passado? Sem dúvida...

Tenho um presente?  Sem dúvida...
Terei um futuro?  Sem dúvida...
A vida que pare de aqui a pouco...
Mas eu, eu...
Eu sou eu...
Eu fico eu...
Eu...


Obra Poética de Fernando Pessoa, Poemas de Álvaro de Campos, Lisboa: Publicações Europa-América, s. d., p.122 (com alterações)

domingo, 23 de outubro de 2011

Sag einfach nichts!



"¡Dime qué dices, mar, qué dices, dime!
Pero no me lo digas; tus cantares
son, con el coro de tus varios mares,
una voz sola que cantando gime.

Ese mero gemido nos redime
de la letra fatal, y sus pesares,
bajo el oleaje de nuestros azares,
el secreto secreto nos oprime.

La sinrazón de nuestra suerte abona,
calla la culpa y danos el castigo;
la vida al que nació no le perdona;

de esta enorme injusticia sé testigo,
que así mi canto con tu canto entona,
y no me digas lo que no te digo."


Miguel Unamuno, ¡Dime qué dices, mar!, in http://amediavoz.com/unamuno.htm


terça-feira, 18 de outubro de 2011

Aussage 3



"Cómo hacerte saber que siempre hay tiempo?

Que uno tiene que buscarlo y dárselo...
Que nadie establece normas, salvo la vida...
Que la vida sin ciertas normas pierde formas...
Que la forma no se pierde con abrirnos...
Que abrirnos no es amar indiscriminadamente...
Que no está prohibido amar...
Que también se puede odiar...
Que la agresión porque sí, hiere mucho...
Que las heridas se cierran...
Que las puertas no deben cerrarse...
Que la mayor puerta es el afecto...
Que los afectos, nos definen...
Que definirse no es remar contra la corriente...
Que no cuanto más fuerte se hace el trazo, más se dibuja...
Que negar palabras, es abrir distancias...
Que encontrarse es muy hermoso...
Que el sexo forma parte de lo hermoso de la vida...
Que la vida parte del sexo...
Que el por qué de los niños, tiene su por qué...
Que querer saber de alguien, no es sólo curiosidad...
Que saber todo de todos, es curiosidad malsana...
Que nunca está de más agradecer...
Que autodeterminación no es hacer las cosas solo...
Que nadie quiere estar solo...
Que para no estar solo hay que dar...
Que para dar, debemos recibir antes...
Que para que nos den también hay que saber pedir...
Que saber pedir no es regalarse...
Que regalarse en definitiva no es quererse...
Que para que nos quieran debemos demostrar qué somos...
Que para que alguien sea, hay que ayudarlo...
Que ayudar es poder alentar y apoyar...
Que adular no es apoyar...
Que adular es tan pernicioso como dar vuelta la cara...
Que las cosas cara a cara son honestas...
Que nadie es honesto porque no robe...
Que cuando no hay placer en las cosas no se está viviendo...
Que para sentir la vida hay que olvidarse que existe la muerte...
Que se puede estar muerto en vida..
Que se siente con el cuerpo y la mente...
Que con los oídos se escucha...
Que cuesta ser sensible y no herirse...
Que herirse no es desangrarse...
Que para no ser heridos levantamos muros...
Que sería mejor construir puentes...
Que sobre ellos se van a la otra orilla y nadie vuelve...
Que volver no implica retroceder...
Que retroceder también puede ser avanzar...
Que no por mucho avanzar se amanece más cerca del sol...


Cómo hacerte saber que nadie establece normas, salvo la vida?"

Mario Benedetti, Desde los afectos, in http://amediavoz.com/ventanas.htm

domingo, 16 de outubro de 2011

Ich wunsche es wäre so einfach...




"tudo o que as árvores fazem é pensar. ficam generosas à espera de chegar a uma conclusão. e se morrem, não é absoluto que tenham tido resposta. deram sombra, pássaro, fruto e vento, mas podem partir quietas, como quem tomba para dentro de si mesmo, com felicidade pelo que já passou e nenhuma mágoa, só aceitação sábia do tempo"

valter hugo mãe, contabilidade - poesia 1996-2010, Editora Objectiva, 2010, p. 155

sábado, 15 de outubro de 2011

Leere



"inventaram um amor eterno, trouxeram-no em braços para o meio das pessoas e ali ficou, à espera que lhe falassem, mas ninguém entendeu a necessidade de sedução. pouco a pouco, as pessoas voltaram a casa convictas de que seria falso alarme, e o amor eterno tombou no chão, não estava desesperado, nada do que é eterno tem pressa, estava só surpreso. um dia, do outro lado da vida, trouxeram um animal de duzentos metros e mil bocas e, por ocupar muito espaço, o amor eterno deslizou para fora da praça, ficou muito discreto, algo sujo, foi como um louco o viu e acreditou nas suas intenções, carregou-o para dentro do seu coração, fugindo no exacto momento em que o animal de duzentos metros e mil bocas se preparava para o devorar"

 
valter hugo mãe, contabilidade - poesia 1996-2010,Editora Objectiva, 2010, p. 151 

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Aussage 2


"Para que tú me oigas
mis palabras
se adelgazan a veces
como las huellas de las gaviotas en las playas.


Collar, cascabel ebrio
para tus manos suaves como las uvas.


Y las miro lejanas mis palabras.
Más que mías son tuyas.
Van trepando en mi viejo dolor como las yedras.


Antes que tú poblaron la soledad que ocupas,
y están acostumbradas más que tú a mi tristeza.


Ahora quiero que digan lo que quiero decirte
para que tú las oigas como quiero que me oigas. "


Pablo Neruda, Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2001, p. 64-66.

Aussage 1


domingo, 9 de outubro de 2011

Ich habe mich geirrt




"Como se um espectro me tivesse acariciado, (...)
Pensei que estava comigo no meu passeio à beira-mar aquele que amei, aquele que me acariciava,
Mas ele tinha desaparecido completamente quando me inclinei e olhei através da incerta luz (...)"

Walt Whitman, Folhas de Erva, sel. e trad. de José Agostinho Baptista, Assírio e Alvim: Lisboa, 2003 , p. 344 

sábado, 8 de outubro de 2011

Verstummt 2




auf der anderen Seite des Spiegels lebt ein Mensch, das atmet und träumt, aber niemand merkt, und deshalb bleibt es einsam und traurig

sábado, 1 de outubro de 2011

GESETZ: Behinderte dürfen nicht glücklich sein



"Era estranho que a anã estivesse já há uns dias mais contente, com vontade de adiantar as coisas, deixar tudo limpo e mesmo antecipando precisar disto ou daquilo. Punha tudo a jeito e não perdia tempo. Se alguém a visitasse, ela dava-lhe conversa sem s sentar. Cirandava pela cozinha a levar e a trazer, e havia uma alegria qualquer que ninguém esperava ou aceitava como normal. Por causa disso, a vizinhança ficou curiosa, como se por direito tivessem de entender o que se passava, e o mulherio começou a visitar a anã com uma frequência irritante. A anã, importada com adiantar trabalho, não deixaa de se impacientar, embora não impedisse ninguém de entrar e nunca respondesse errado quando otra vez a tratavam por coitadinha, para que ela fosse uma coitadinha e nada mais do que isso."

valter hugo mãe, O filho de mil homens, Editora Objectiva: Carnaxide, 2011, p. 35

sábado, 24 de setembro de 2011

Jetzt hast du keine Zeit, aber...



"Quando eu morrer, eu sei, tu escreverás
Triste soneto à morte prematura;
Dirás que a vida cansa em amargura
E, pálido e frio, tu me cantarás.

Nas quadras, reflectido se lerá
De como, vã e breve, a vida expira
E como em terra funda, dura e fria,
A vida, má ou boa, acabará

A seguir, nos tercetos, tu dirás
Que a morte é mistério, tudo fugaz,
Verdadeira, talvez, a vida além.

Por fim porás a data, assinarás.
E, relido o soneto, ficarás
Contente por tê-lo escrito bem."


Alexander Search, "Ao Meu Maior Amigo", in http://www.citador.pt

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Wie die kranke Rose



"Ach Rose, du krankst -
der verborgene Wurm,
der auszieht des Nachts
im Geheul des Sturms,


hat entdeckt dein Bett,
die Knospe rot:
was er Dunkles dir tut,
bringt dir Leid und Tod."

William Blake, Die kranke Rose, in http://gedichte.xbib.de, Übersetzung aus dem Englischen:
by Bertram Kottmann


sábado, 17 de setembro de 2011

So einsam fühl ich mich auch...



    "É tempo de terminar. Tenho um longo caminho para casa. Estive a escrever, durante quatro horas, agora quero ordenar as folhas e ir para casa. (...) Uma pessoa não devia escrever... Está-se tão rapidamente disposto a esquecer coisas que se viveu e a negar sentimentos. Penso frequentemente que não sinto nada e mais tarde penso que tudo aquilo não foi importante. (...) Tal como hoje, havia silêncio em mim, de modo que posso ouvir o vento lá fora. Serei cobarde ou não sou suficientemente diligente para me transportar de volta ao passado? Na recordação, os sentimentos bons também doem e é melhor não se fazer caso deles. Mas quando escrevo, tudo regressa espontaneamente, nem sequer me apercebo e, de repente, estou no meio de tudo, agitado e perturbado.
    Tenho que me tornar a dizer sempre e repetidamente que estou sozinho. (...)
    E de repente fico com calor e o meu coração bate e penso que já estive aqui uma vez."

Annemarie Schwarzenbach, Novela Lírica, Granito Editores e Livreiros: Porto, 2002, pp. 91-2.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Wann?



"Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?"


Obra Poética de Fernando Pessoa, Poemas de Álvaro de Campos, Lisboa: Publicações Europa-América, s. d., p. 229

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Meine zerschlagene Hoffnungen




"Não sei. Falta-me um sentido, um tacto
Para a vida, para o amor, para a glória...
Para que serve qualquer história,
Ou qualquer facto?

Estou só, só como ninguém ainda esteve,
Oco dentro de mim, sem depois nem antes.
Parece que passam sem ver-me os instantes,
Mas passam sem que o seu passo seja leve.

Começo a ler, mas cansa-me o que inda não li.
Quero pensar, mas dói-me o que irei concluir.
O sonho pesa-me antes de o ter. Sentir
É tudo uma coisa como qualquer coisa que já vi.

Não ser nada, ser uma figura de romance,
Sem vida, sem morte material, uma ideia,
Qualquer coisa que nada tornasse útil ou feia,
Uma sombra num chão irreal, um sonho num transe."


Obra Poética de Fernando Pessoa, Poemas de Álvaro de Campos, Lisboa: Publicações Europa-América, s. d., p. 99

sábado, 10 de setembro de 2011

Ich werde langsam traurig...



"Os caminhos são longas pegadas indeléveis: leitos rasgados pelo turbilhão das horas viandantes. As horas passam como nódoas de fumo ao vento; mas o seu rasto não se apaga. As horas pulverizam o saibro e os penedos - e uma faixa branca morde a superfície verde das paisagens... É uma linha traçada pela Dor..."

Teixeira de Pascoaes, O Bailado, Colecção "Obras Completas de Teixeira de Pascoaes", organização de Jacinto do Prado Coelho, volume VIII, Livraria Bertrand: Amadora, 1973, p. 132

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Es gibt Augen...



"há olhos que não vêem o corpo no seu auge, mas a longa cicatriz; há olhos que não vêem o texto, mas a palavra, uma só, que cega todas as outras; há olhos que não vêem Deus, mas o seu teatro, os sinais da sua passagem ou da sua ausência; há olhos que constroem os sinais da passagem de um deus para conseguirem parar. A essa paragem chama-se desmesura. Há este olhar que aflora as coisas, as faz crescer até ao insuportável, e lhes dá a dignidade do rudimento; que abre os lábios a uma só palavra e entra nos seus meandros para a esquecer; que torna cada coisa um vestígio e se apaga ao ir de uma coisa a outra; e neste percurso expõe a mortalidade (...)"

Rui Nunes, O choro é um lugar incerto,Relógio d'Água:Lisboa, 2005, p. 31

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Der Wind hat mir ein Lied erzählt 1



     "Um dia, num tempo já perdido da memória, o vento não suportou mais a solidão quando corria pelos ares a olhar para o mundo lá em baixo. Estava cansado de fazer andar as nuvens e espanar o pó das árvores sem ter companhia.
     Olhava para todos os seres que viviam no chão e ficava com vontade de ter quem pudesse acompanhá-lo; alguém que não tivesse medo das alturas e que fosse com ele céu acima.
     Ele via as criaturas que se rodeavam umas às outras, a correr pelos campos ou a mergulhar nas águas, tão contentes e tão ágeis.
     O vento pensava que o céu também era um campo por onde se podia correr.
     A solidão leva a uma tristeza muito grande, aprendera o vento. Era preciso ter amigos, porque ninguém fica completo assim abandonado.
     Os amigos, pensava com muita razão, nunca são perfeitos, mas a realidade é feita de aceitarmos os outros como eles são para que também nos aceitem como somos."

valter hugo mãe, A Verdadeira História dos Pássaros, QuidNovi:Lisboa, 2009

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Traurigkeit 1



"A ausência dos meus amigos é, de todos os
desesperos, aquele que mais me aflige.
É como a erva calcada nos campos:
uma ameaça contra a respiração."


Daniel Faria, O Livro do Joaquim, Quasi Edições: V. Nova de Famalicão, 2007, p. 67

domingo, 28 de agosto de 2011

Schweigend 3



"rendo-me ao teu abismo
 inundado só de ausência

 no lugar que foi da luz
 e qu em mim se evaporou"

Carlos Frias de Carvalho, no lugar que foi da luz in luz da água, Lisboa: Edição Babel, 20011 p. 62

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Schweigend 2



"Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.
Mas finge sem fingimento.
Nada 'speres que em ti já não exista,
Cada um consigo é triste.
Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,
Sorte se a sorte é dada."

Fernando Pessoa, Odes de Ricardo Reis (Introdução, organização e bibliografia de AntónioQuadros). Mem Martins: Publicações Europa-América, s. d., p. 141

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Das Leben wiederholt sich...



"Assim os vivos também se tornam fantasmas: bato-lhes
à porta da alma, vagueio num descampado de sentimentos,
chamo-os - e vejo-os partir. Construo a solidão
com os pedaços das imagens que me deixaram. Ergo
edifícios a partir de memórias, de palavras, de gestos que
ficaram das nossas conversas, quando o tempo se reduzia
ao instante que vivíamos, e nenhum futuro nos impunha
a sua sombra. Agora, porém, a que estação te irei buscar? Em
que banco de jardim te irei surpreender, olhando essa manhã
que marca a separação dos amantes? Limito-me a esperar
que esta porta se abra, uma vez mais, e a primavera
entre para este quarto onde a noite se instalou."

Nuno Júdice, Carta de Orfeu a Eurídice in Pedro Lembrando Inês, Lisboa: Publicações D. Quixote, 2001, p. 45

Sie stammen aus einer alten Himmel...



"Vêm de um céu antigo, um céu
talvez de ficção. Vejo-as chegar,
vejo-as partir. São aves
de passagem, não lhes sei o nome.
Têm como eu pouca realidade.
Seguem a direcção do vento,
rumo a sul, chamadas
pela cal, ardendo sobre o mar.
É difícil, a nostalgia;
naturalmente mais difícil quando
o tempo fere o nosso olhar
e o priva do que fora mais seu:
a nudez musical da luz primeira.
Mas de que falo eu, se não forem aves?"


Eugénio de Andrade, O Sal da Língua, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 1996, p. 28