sábado, 24 de março de 2012

Auf dem Weg nach Santiago - Vorbereitung


Sentei-me para escrever e fiquei pensando (Luís Filipe Castro Mendes, in Os Dias Inventados, p. 16). Prometi relatar a viagem, mas os lugares esfumam-se na memória das emoções. As chagas abertas no caminho teimam ganhar vivacidade à clara luz do dia. Curá-las é transpor a lucidez e reconhecer a irracionalidade de um erro.
Caminhar é, naturalmente, um acto solitário, que se executa num gesto lento e concentrado. Cada passo se processa numa íntima decisão, numa escolha deliberada e cuidadosa. Evitar o atrito do percurso, muitas vezes íngreme, exige igualmente um esforço físico intenso. Assim conjugados, físico e intelecto se organizaram e aqui testemunham vivências comuns.
O Caminho de Santiago apresenta-se como um percurso sinuoso e penoso, que exige, além da natural preparação física, uma activa consciência espiritual de busca, de sacrifício, de partilha e comunhão. Ser peregrino é um acto solene, uma promessa renovada a cada passo, a cada dificuldade, como uma oração que o Alto raramente escuta.
Numa quase interminável contagem decrescente, os metros prolongam-se pelas milhas dolorosas da descrença. E eis que num gesto inumano, quase celestial, a natureza se revela. E chove imenso. A água penetra cada poro da pele e mistura-se com a transpiração, de tal modo que segundos depois se tornam indistintas. Como Pascoaes, “vesti-me de sombra e senti o silêncio pousar-me no coração” (in Poesia de Teixeira de Pascoaes, antologia organizada por Mário Cesariny, p. 160). Era hora!

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