quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Beichte 1



faço perguntas às minhas próprias dúvidas e lembro-me de um filme antigo quando percebo que não respondem: silêncio e preto e branco. a sombra de brancas paredes e uma cama vazia. nada é sequer definitivo. a situação é esta: tenho medo. cercam-me por todos os lados que não existem para fugir, e espero pelo incêndio, apenas espero. é preciso regar as flores. sou eu que tenho de decidir e tenho medo de adormecer, tenho medo de não ter mais tempo. não tenho o direito de telefonar para te dizer isso. tudo desaparece antes de ser dito. mas ainda há tempo... se morresse perguntavas: porque não me telefonaste? se telefonasse, perguntavas: sabes que horas são? estou ocupado! ou não atendias. e eu ficava aqui. com a noite ainda mais comprida, com a insónia, com o medo, com as tuas palavras a pegarem-se aos pesadelos. eu ficava aqui em silêncio. porque se eu estivesse única e completa, com as raízes e as cicatrizes, com as cartas que escrevi mentalmente e nunca enviei, tu saberias como chegar às antigas palavras que magoam, por isso eu fico aqui em silêncio e começo a anotar as minhas preocupações, tão importantes apenas para mim. os segredos escondem-se por trás das brancas paredes e de uma cama vazia. não há motivo para te importunar a meio da noite. de que poderíamos falar agora? guardo uma ternura simples, quase dolorosa, muitos silêncios, todas a horas do dia e um poema que se dissolve dentro de mim e que, devagar, sem rosto, desaparece. como se adormecesse... agora, esta voz dirige-se ao teu rosto. a situação é esta...
 
 
Leituras de "Gaveta de papéis", de José Luís Peixoto 

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